Fim de Jogo
Literaturas afro-brasileiras e indígenas movimentaram o debate no último dia de Jogo do Livro
Acontece • Quinta-feira, 21 de Novembro de 2013, 14:11:00
“Literatura e diversidade: questões afro-brasileiras e indígenas”. Foi com esse tema que encerramos a décima edição do Jogo do Livro. Aracy Alves Martins, professora da FaE e mediadora da mesa, iniciou o debate questionando o motivo de estarmos tratando esse assunto. Ela relembrou as leis 10.369 e 11.645. A segunda lei, aprovada em 2008, “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. No entanto, como se observa facilmente nas escolas, a lei não é de fato cumprida. Segundo Aracy, essa discussão é necessária “para que possamos entender a contribuição desses povos na nossa cultura, língua e história”.
O professor da Universidade de Coimbra, Pires Laranjeira, participou do debate discutindo a literatura afro-brasileira. Logo de início, ele disse discordar em absoluto da expressão “afro-brasileira”. “Acho que os negros brasileiros antes de terem qualquer relação com a África são brasileiros. A relação com a África é difusa e diluída.” No lugar dessa denominação, ele propõe o uso da expressão “negro-brasileiros”.
Para ele, também não podemos falar em cultura africana, pois é uma generalização. Da mesma forma, falar em “world literature” (literatura-mundo) implica essa generalização que faz com que a literatura deixe de ter fronteiras nacionais e se alinhe com a ideia de globalização. Laranjeira se posiciona contra essa ideia de globalização e diz que não vê como falar em literatura-mundo no Brasil. Essa oposição se dá devido à grande diversidade cultural presente no Brasil e também em outros países.
Narrativas indígenas
A literatura indígena foi abordada por Maria Inês de Almeida, da Faculdade de Letras da UFMG, e também pelo professor da FaE e coordenador do evento, Carlos Augusto Novais. Inês começou apontando como a discussão sobre literatura indígena é recente, passando a se desenvolver mais na década de 1980. Além disso, essa é uma área de estudo complexa. Ela afirma que “é difícil pensar e enquadrar os índios como brasileiros”, já que muitos povos estão espalhados por territórios além da fronteira brasileira. Além disso, é preciso rever o conceito de escrita: “se conseguíssemos pensar literatura para além da escrita alfabética e a letra para além da letra do alfabeto, aí poderíamos pensar em literatura indígena. São questões a serem pesquisadas e discutidas.”
A partir de 1988, membros de aldeias começaram a ir para a cidade com o objetivo de fazer cursos de formação de professores. A partir do contato com a língua portuguesa e a escrita alfabética, começaram a escrever sobre suas culturas, contando as histórias narradas pelos mais velhos sobre sua geografia, história, ciência, medicina, biologia e religião. “Começaram a mapear sua própria cultura e passar isso pro papel. É isso que nós temos, grosso modo, chamado de literatura indígena”, disse Inês. Desde esse período, foram contabilizados mais de 500 livros indígenas - o que é positivo, já que significa o registro de parte daquelas culturas.
A partir do arquivo do GPELL – Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura – Carlos Augusto também apresentou algumas informações sobre a literatura indígena. Segundo ele, alguns dos traços da composição indígena são as repetições, a condensação dos enredos, expressões marcadoras de início/fim, coloquialismo e informalidade, apelo visual e hibridismo. Essa ultima característica diz respeito ao fato de que num mesmo livro é possível haver uma mistura de autobiografias, ensaios, memórias e histórias, por exemplo. Sobre o apelo visual, Carlos afirma que “não é exatamente uma ilustração do texto, mas são marcas de identidade”.
Devido a essas características, é levantada a questão de que os livros indígenas são muitas vezes endereçados à escola e confundidos com literatura infantil. Mas é preciso lembrar de todo o valor cultural por trás dessas produções. Carlos lembra que, ao possibilitar o registro e a divulgação dos conhecimentos das tribos e – mais do que isso – colocar-se como uma configuração dos sentidos da vida, a escrita indígena tem dimensões políticas, cognitivas e também estéticas.