Homofobia na escola

Casos de agressão e perseguição acontecem todos os dias sem que todos percebam


     

Geral • Sexta-feira, 16 de Maio de 2014, 18:07:00

 

No Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, o Portal Educativo Ceale discute as agressões relacionadas a sexualidade e gênero na infância e na adolescência e o papel dos educadores nesse cenário. O cientista social Marcel de Almeida Freitas, com mestrado em Psicologia e concluindo doutorado em Educação, ambos pela UFMG, colabora com a reflexão.

Porque é ofensa chamar alguém de gay?

Para Marcel Freitas, um insulto só é ofensivo se há aderência, respaldo da sociedade. Ou seja, o problema é como a sociedade construiu o fato de gay ser algo ruim, ser estranho. “É uma estigmatização, um policiamento. Não é mera brincadeira ou ‘coisa de criança’. É cruel e reproduz o que ouve dos pais, da mídia e da sociedade”.

“O preconceito se baseia no estereótipo, não importa se você é inteligente, rico, bonito. Se, para a sociedade em que você vive, aquele elemento que você gosta for problemático, tabu, não interessa mais nada”, diz Marcel. “O ridículo do preconceito é isso, ele reduz”, completa. Assim, o preconceito passa a definir a pessoa em toda sua complexidade por um aspecto só, isolado e destacado.

Para o cientista social, há ainda um componente que as pessoas não costumam perceber: uma menina que gosta de futebol sofre menos preconceito do que um menino que gosta de balé. Segundo Marcel, a sociedade machista tem o universo masculino como referencial, porque o que é da mulher, do feminino, é considerado menor, pior e inferior. O que é do masculino causa menos estranhamento porque é a norma. Por isso é menos absurdo uma mulher gostar de algo “masculino”. “Propagandas infantis mostram uma figura masculina, um menino, porque as consumidoras não se sentem ofendidas de serem representadas por um homem, mas o contrário acontece: se a propaganda tiver apenas meninas, aquilo vai ser estigmatizado como ‘coisa de menina’”.

Isso seria tão naturalizado que acontece em qualquer lugar. Marcel lembra que, em um estádio de futebol, por exemplo, a grande maioria das ofensas gira em torno de feminilizar o outro, como se isso o fizesse inferior. “As próprias mulheres chamam os jogadores ou torcedores rivais de ‘mulherzinha’ e compactuam com o desmerecimento do seu gênero”. Para desconstruir essa lógica, é preciso questionamento.

O papel dos educadores

Se o professor questiona os alunos, eles vão questionar os pais. E como isso causa desconforto, muitas vezes as escolas não encorajam esse papel crítico do educador. Mas Marcel não acredita que exista neutralidade.  “Se você não faz nada, você está compactuando com a agressão”. Mesmo que exista um constrangimento para que o educador não atue, ele sugere que pelo menos se chamem os pais de quem encabeça as agressões para uma conversa. “Essas crianças, muitas vezes, têm algum problema, como a própria sexualidade mal resolvida. Ou até mesmo um abuso infantil, o que o levaria a usar o outro como bode expiatório. Por isso é importante perceber quem puxa a perseguição e orientar os pais a conversar e levar na terapia”.

Marcel destaca que várias categorias vêm sendo desconstruídas, como raça e gênero, e a orientação sexual também tem que passar por esse processo. Para isso é preciso falar sobre o assunto, mostrar que não é um tabu. “É banalizar, não a perseguição, mas a questão do gosto e das diferenças. Mostrar que isso sempre existiu e sempre vai existir”.

É preciso também problematizar: “É perguntar: O que interfere mais na sua vida? Seu colega brincar de boneca ou ele roubar seu brinquedo? E não dar respostas, deixar que os alunos pensem por si”.

Para Marcel, o problema é que, enquanto algumas escolas de periferia viram estatística, sem qualquer apoio e estrutura, escolas de elite só querem pegar as melhores vagas nos cursos concorridos, se tornando grandes mercadões. Elas não se preocupam com a formação de caráter, uma formação humana e cidadã. “Muitas vezes essas escolas se empregam em fazer o cara saber só a tabela periódica e covardemente se abstêm desse papel formador de caráter para manter seu ganha-pão”.

Quando é questionadora e crítica, a educação concretiza-se como uma forma de socialização. Marcel acredita que, se o professor fizer o aluno pensar sobre o assunto, lá na hora de assistir o jogo, o filho, o neto, o sobrinho vai dizer: “Para de chamar o jogador de ‘veado’!”. Isso vai incomodar, mas também faz refletir.

Por Marcella Boehler