Imagens que contam histórias

Ilustradores comentam suas experiências com as narrativas de imagens


     

Letra A • Terça-feira, 22 de Dezembro de 2015, 16:13:00

 

Por Poliana Moreira

“Mãe, vem cá! A Gracinha vai ler uma história para você”, convidou o irmão da ilustradora Graça Lima, na época, uma menininha de apenas 4 anos que ainda não havia sido alfabetizada. Para a surpresa da mãe da ilustradora, a menina não contou a história que estava escrita ali, mas outra, criada por ela mesma a partir das ilustrações. “Na verdade, eu não li a história que estava escrita em palavras. Eu li e criei uma história a partir do que tinha na moldura. Mas li com tanta convicção que minha mãe achou que a história estava escrita, porque eu fazia pausa na leitura”, relata a ilustradora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A imagem sempre foi uma coisa muito forte pra mim”, conclui Graça.

Esse tipo de situação é comum nos primeiros contatos da criança com os livros. Muitas vezes as crianças ainda não são capazes de compreender o texto verbal, mas, valendo-se das imagens, são capazes de construir sentido. Textos que não têm enunciado verbal, mas trazem sua narrativa por meio de imagem têm se destacado mais a cada dia no mercado editorial, por trazer espaço para que o leitor parta de suas experiências e de sua imaginação para construir a história. “É a mesma configuração de um livro com texto [verbal]: apresentação, conflito e desenlace. Isso tem que ter em um livro sem texto também, e o que a gente vai fazer é dar voz para aquele que está lendo”, explica a ilustradora Marilda Castanha.

É nessa fase que começa o processo de alfabetização visual, quando as crianças aprendem a fazer uma leitura crítica das imagens. “Quanto às crianças, é muito fácil alfabetizá-las visualmente. O mais difícil é alfabetizar os adultos”, reflete o pesquisador e ilustrador Istvansch, de trabalho baseado na Argentina. O ilustrador fundamenta sua explicação em uma cena que já observou muito: durante uma leitura guiada por um adulto, a criança muitas vezes tem uma postura de suspeita, até o momento em que ela contrapõe aquela narração que ouve ao que enxerga nas imagens: “Eu não vi isso!” Muitas vezes, até recebe apoio de um colega: “Eu também não!”

Nesses momentos, ressalta Istvansch, as crianças estabelecem as “regras do jogo”, o que acaba por assustar o adulto.“Eu creio que automaticamente as crianças percebem que precisam saber algo a respeito da imagem. Os adultos inconscientemente também têm esses saberes, mas acabaram os perdendo em algum momento, e ao ver as reações das crianças eles recuperam um pouco disso.” Istvansch alerta que essa habilidade de leitura das imagens pode ser comprometida quando não é garantido à criança o acesso à “maior quantidade possível de estéticas”.

Graça Lima aponta o que pode ser um dos fatores que agrava esse problema, principalmente quando os professores começam a estudar a imagem. “O que acontece é que, quando as pessoas vão estudar a imagem, elas estudam pela Semiótica, que acaba sendo o estudo da imagem pela palavra.” A ilustradora exemplifica como essa pode ser  uma escolha equivocada ao tratar da análise de uma imagem. “Por exemplo, se temos uma imagem em que o artista usou as cores preto e vermelho. Se você for analisar isso pela semiótica, o vermelho é o sangue, é drama, é o impeto. Mas muitas vezes aquilo foi apenas uma escolha estética”, problematiza Graça.

A ilustradora Marilda Castanha destaca a importância de trabalhar com um material de qualidade e adequado para as crianças. “Uma coisa que eu sempre falo para as professoras é que elas não podem minimizar a criança e achar que têm que dar algo infantilizado para o aluno. Essa é uma visão equivocada. Às vezes, a criança percebe algo tão rápido, que o adulto não conseguiu ler ainda e ela já. Ela consegue ler imagens de uma forma que o adulto ainda não percebeu.” A ilustradora propõe um trabalho em conjunto entre professora e aluno no momento da leitura de imagens. “Pode ser um momento de tentar descobrir junto, em que o aluno pode contribuir para essa visão da professora. Na hora em que ela abrir o olho para o entorno, vai ver com os meninos o encanto”, recomenda Marilda. A ilustradora finaliza com uma reflexão a partir de uma frase de Arnaldo Antunes. “Crianças gostam de fazer perguntas sobre tudo. Nem todas as respostas cabem num adulto.”