Informação também é coisa de criança
Os livros informativos oferecem possibilidades que enriquecem tanto o processo de alfabetização quanto a formação humana das crianças
Letra A • Segunda-feira, 24 de Agosto de 2020, 16:11:00
Por Andreza Miranda
A informação é definida no dicionário como um conjunto de elementos e dados organizados sobre determinado assunto, capazes de construir referências e conceitos. Por ser algo considerado sério e compartimentado, muitas vezes a informação não é associada à fase infantil. Porém, leva-se em consideração a necessidade de as crianças serem pessoas com direito à informação e capazes de se informar. Dentro disso, existem os livros informativos infantis, que possuem conteúdo que podem ser tidos como ferramenta para o conhecimento do mirim, indo além do que os livros escolares didáticos oferecem. De acordo com a escritora Andrea Viviana, que já escreveu algumas obras desse cunho, “o livro informativo tem essa sutileza, ele vai te levar, ele vai te contextualizar, ele vai te instigar a buscar outras formas de adquirir mais conhecimento a respeito daquele assunto, porque ele coloca água na sua boca de leitor. O livro didático já é o contrário, ele traz o conteúdo todo pronto, e não é exatamente a coisa mais instigante. Ele pode ser um facilitador, mas ele não é convidativo.”
O uso de livros informativos pode contribuir para a didática dos professores e para o aprendizado dos alunos, embora em muitas escolas ainda não exista um grande acervo de obras desse tipo. A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Isabel Frade aponta vários motivos para essa ausência, afirmando que a produção ainda é muito recente em relação a livros didáticos e literários. A professora também destaca a falta de programas governamentais que promovam a distribuição desses livros. “Tais livros informativos ainda não alçaram um lugar dentro de promoções já existentes e, se houvesse uma boa avaliação dessas obras, seria uma oportunidade de as crianças aprenderem de uma forma que escape do modelo de livro didático.”
Entretanto, na Escola Municipal João do Patrocínio, em Belo Horizonte (MG), na qual a professora Kelly Cristina trabalha com o primeiro e o segundo ciclo, o cenário é diferente. “Temos um acervo diverso e de boa qualidade. O acervo é bem equilibrado numericamente”, relata. A professora conta como trabalha com os livros informativos. “Algo que eu gosto de propor em sala de aula é o debate, o diálogo, o espaço para a apresentação e a troca de perspectivas. Nisso, o livro informativo ajuda muito, porque ele traz temas que torna didaticamente mais simples a possibilidade de agrupar a turma e realizar debates e pequenos seminários.”
Para a realização de trabalhos como esse, a primeira questão é como escolher livros de qualidade. Segundo Isabel Frade, o livro informativo inteligente pode indagar mais, seguir a forma como se dá o pensamento da criança, dialogar com a linguagem dela, desvendar como a ciência é construída e brincar com os bastidores de conceitos e com a problematização destes. “Dessa forma, o aluno estaria sendo formado para ser mais indagador e entendedor dos processos do que apenas do conteúdo."
Uma ponte para os processos de aprendizagem
Um livro informativo com esses atributos pode oferecer possibilidades interessantes para as crianças no processo de alfabetização, favorecendo a construção de pontes entre gêneros textuais e enriquecendo a aprendizagem. A professora Kelly exemplifica como isso é possível, com base em suas experiências: “Na minha prática, eu comecei a usar os livros informativos por causa da literatura. Em 2010, eu estava desenvolvendo um projeto cuja temática central era os animais e, por isso, selecionei várias narrativas literárias que flertavam com o tema. Um dos desdobramentos do projeto foi buscar informações sobre o habitat, a alimentação, os hábitos e as características dos animais em foco. Neste trabalho, usamos vários títulos informativos; e de lá pra cá esses livros não saíram mais do meu planejamento de aula.”
Kelly Cristina destaca a importância de, no Ensino Fundamental, garantir a construção de um repertório léxico, de conhecimento de narrativas e de experiências de leitura. Ela acredita que, quanto mais a criança tiver contato com gêneros diferentes, dentro de um trabalho de mediação qualificado, maior será sua capacidade de compreensão do texto. “Texto, autor, leitor e contexto precisam estar bem definidos para um trabalho satisfatório na alfabetização e, nesse caminho, acontece o encontro com o livro informativo”, aponta. A justificativa é de que tais obras podem ser vistas como um grande leque de possibilidades, tanto em seu conteúdo quanto nas formas de se trabalhar com elas. A educadora traz mais um exemplo de como o uso do livro informativo e as necessidades de seus alunos tornaram-se um encontro profícuo: “Há títulos que não são muito acessíveis em um primeiro momento, quando se pensa em um trabalho na alfabetização. No entanto, isso [uso do livro informativo] pode ser um gatilho para alcançarmos o uso do dicionário, por exemplo, quando do desconhecimento de determinadas palavras, ou para debatermos o entendimento de certas expressões vocabulares. Isso ajuda na formação da experiência leitora e na construção do repertório de leituras.”
Novas descobertas de ensino e aprendizagem, através dos livros informativos, podem ultrapassar os níveis de alfabetização, segundo a professora Isabel: “Não são livros só para alfabetização, são livros para a formação da criança, seja estética, conceitual, em relação aos valores e etc. Isso não precisa esperar a alfabetização para fazer, acho que é desde a educação infantil. Passa pela alfabetização, vai além da alfabetização, a gente não pode centrar isso só no período de alfabetização."
Proposta humana-social
Além de explorar conceitos e conhecimentos, há livros informativos que têm preocupação em abordar questões éticas, podendo contribuir na formação humana dos alunos. Questões como etnia, classes sociais, sexualidade, comportamentos e outras que fazem parte de discussões cotidianas são pertinentes de se discutir em sala de aula, já que os alunos estão inseridos em sociedade, sendo importante que desenvolvam pensamento crítico.
Nesse sentido, livros informativos que abordam tais temáticas podem ser muito úteis para se iniciar discussões em sala de aula, e abordar assuntos com as crianças de forma mais humanizada. A professora Kelly utilizou, em algumas de suas aulas, o livro “O Tupi que Você fala”, de Cláudio Fragata, que aborda a influência indígena no nosso vocabulário cotidiano, fazendo com que os alunos dela tivessem acesso às questões da diversidade étnica e cultural do nosso país. “Quando esses temas são tratados em sala de aula, isso oportuniza aos estudantes pensarem a respeito e tomarem consciência das nossas questões histórico-sociais e identitárias”, Kelly opina.
Os livros informativos podem auxiliar também na discussão de assuntos mais sensíveis. Andrea Viviana escreveu um livro lítero-informativo intitulado “Não Me Toca Seu Boboca”, em que ela aborda a questão do abuso sexual infantil de forma lúdico-atrativa para as crianças, ao mesmo tempo em que as conscientiza e expande os graus de alfabetização. Um dos trechos do material explica bem como se dá essa relação: “Gente que age como o ‘tio Pipoca’, às vezes está bem perto de você. Por isso, nessa hora difícil, saiba o que é importante fazer!”
Distribuição e acesso
Segundo Isabel, o motivo de o Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) não distribuir livros informativos é a necessidade básica de ter livros didáticos de boa qualidade antes de pensar em outras alternativas. A pesquisadora acredita que o PNLD tem sido fundamental no critério da qualidade de livros, mas que o ensino e o contato com os livros didáticos podem ser mais diversificados se existirem outras opções, tanto de literatura quanto de livros informativos.
Mesmo que o PNLD seja um dos principais responsáveis para que os livros cheguem às escolas públicas, Kelly Cristina diz haver uma liberdade para os professores solicitarem qualquer material que desejam trabalhar: “Os professores podem apresentar à gestão escolar os nomes dos livros que desejam ver no acervo e podem também consultar os catálogos disponibilizados pelas editoras. Esses catálogos chegam à escola via correio ou são levados por funcionários das editoras na escola. A maioria dos livros adquiridos com verbas públicas é escolhida nos catálogos.”
A inserção de obras informativas na vida das crianças não se limita somente ao âmbito escolar, podendo expandir para o familiar. Porém, esbarra-se no debate sobre a leitura não estar dentro da rotina de muitas famílias brasileiras, seja por questões econômicas, seja por questões culturais. “É lógico que a gente não pode culpabilizar as famílias por não fazerem isso, por não fazerem leituras no espaço doméstico, porque nós temos na escola pública gerações de crianças cujos pais tinham baixíssima escolaridade, mas acho que isso tende a mudar com o tempo”, Isabel pondera.