Leitura digital: uma aproximação entre tecnologia e alfabetização

Na entrevista desta edição do Letra A, Aline Frederico, Professora no curso de Produção Editorial da Escola de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora nas áreas de leitura e literatura infantil, produção editorial e multimodalidade, com enfoque na literatura infantil digital, nos ajuda não só a compreender o que é a literatura digital infantil, bem como fazer ressalvas às limitações e às potências do tema, principalmente no cenário brasileiro.


     

Letra A • Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2023, 13:18:00

Por Pedro Eufrosino

O que é a leitura digital? É apenas a transposição dos impressos para o digital?

É uma pergunta fundamental para esclarecer logo de princípio. Acho que é uma dúvida que muita gente tem, inclusive quando falamos com professores, eles indicam “não, mas a gente faz leitura digital”, mas é essa leitura que nós pesquisadores costumamos chamar de “texto digitalizado'' – que é um texto que foi transposto do meio impresso para o digital. Hoje em dia, todo o nosso processo de produção, inclusive editorial, é digital. Os escritores escrevem no computador, os editores editam digitalmente e só na hora da impressão final é que passa a ser papel. Porém, existe uma característica dos textos que são voltados para o meio impresso que são diferentes das possibilidades do meio digital. A literatura digitalizada, na forma do PDF, ou mesmo um e-book mais simples, que só vai ter a possibilidade de alterar o tamanho do texto, mudar a cor de fundo, deixar um pouco mais customizado às necessidades do leitor, é idêntica ao que se lê no impresso, não há uma integração ali da linguagem digital. Agora, quando falamos da literatura digital – usamos até o termo “nativa digital''–, é uma obra que foi construída pensando nas possibilidades do meio digital, e ela vai integrá-las. E quais são as duas principais possibilidades que são integradas? [A primeira é] A questão da multimodalidade. O meio impresso já é multimodal; às vezes as pessoas pensam que a multimodalidade é exclusiva do digital. Não é. Porém, o meio digital amplia essa possibilidade. O que é a multimodalidade? É a estruturação, no texto, de diversos recursos semióticos que, por vezes, a gente chama em geral de linguagens: linguagem visual, linguagem verbal e linguagem sonora. Os textos digitais vão integrar mais possibilidades, mais recursos semióticos, por exemplo; a questão sonora, que não é possível no impresso, os próprios gestos do leitor, principalmente quando a gente está lendo em dispositivos móveis. Já a segunda possibilidade é a questão da interatividade. A literatura “nativa digital" é interativa no sentido de o leitor participar daquele texto de uma forma ativa, não só de mudar a sua aparência, mas também [de] escolher um caminho diferente na narrativa, escolher as características do personagem. Há uma série de possibilidades de interação, como ampliar a narrativa tocando nos pontos quentes, ouvir outras partes e ampliar aquele texto. Então, a literatura digital é essa literatura que vai combinar a multimodalidade e a interatividade.

Quais os benefícios da multimodalidade presente nos livros digitais? Ela substitui a leitura de um adulto para uma criança?

Eu acho que esses recursos podem ou não ser usados. Não é porque existem recursos que todos vão ser usados numa mesma obra. Outra característica interessante da literatura digital é que ela permite uma personalização da leitura; cada obra tem uma possibilidade. Um dos tipos de personalização é escolher se você quer ouvir a história sendo narrada ou se você quer ler silenciosamente, e aí você vai ler ou um adulto vai ler em voz alta para crianças que ainda estão em desenvolvimento da alfabetização. A multimodalidade não substitui; ela é uma possibilidade que pode gerar uma leitura mais autônoma para as crianças que ainda não dominam a decodificação do texto escrito. Porém, ela é só uma possibilidade. Mantém-se a necessidade de o adulto ler com a criança. Essa necessidade é uma coisa que, quando a gente fala sobre a literatura digital e sobre a mídia digital em geral, é sempre bom reforçar. Não é porque a criança pode ver televisão sozinha que é bom ela ver televisão sozinha. Pelo contrário, as pesquisas sobre mídias e infância demonstram que a criança, principalmente na primeira infância, aprende muito mais quando está em uma situação dialógica com outra pessoa. Isso também é válido para leitura digital. O adulto tem um papel muito importante de estar e de acompanhar a criança; ele é responsável por essa troca afetiva, que é muito importante nesse processo de desenvolvimento da leitura e de apropriação da literatura. No meio impresso, a leitura de um livro é uma coisa que a criança aprende logo na primeiríssima infância. Um bebê de 1 ano, em uma casa em que livros estão disponíveis, sabe como abre um livro, sabe que tem páginas, a direção em que se passa as páginas. Já no livro digital há muitas possibilidades: você pode passar páginas, pode arrastar o texto, pode girar o aplicativo e mudar a cena. O mediador tem um papel importante no suporte para que a criança compreenda as possibilidades e consiga desenvolver essa autonomia enquanto leitora.

A interação da criança com as tecnologias não torna unilateral e individualista a leitura, visto que é comum nas escolas as rodas de leitura e as leituras coletivas?

Tanto o livro impresso quanto a literatura digital podem ser lidos de maneira individual e de maneira coletiva. A maior parte das escolas tem um projetor, se não em todas as salas, em alguma sala. Com o celular e um projetor, é possível fazer uma leitura coletiva de literatura digital e ir alternando a cada interação. A interatividade não impede a leitura coletiva, ela possibilita uma outra forma de participação. Por exemplo, em uma atividade realizada em uma escola de Belo Horizonte, [as crianças] usavam um aplicativo que gravava a leitura em voz alta e depois escutavam a narrativa com a própria leitura. Assim, a professora fez uma leitura coletiva: cada criança leu uma cena e eles construíram um texto digital com as próprias vozes. Há possibilidades muito legais e outros recursos que podem ser usados que não inviabilizam essa leitura coletiva na sala de aula. Mas claro que a gente tem que buscar políticas públicas que possibilitem que a criança possa fazer uma leitura individual, porque a relação com o texto e a construção de sentidos é diferente quando a gente faz uma leitura individual e uma leitura coletiva. Essas duas formas têm que fazer parte da sala de aula.

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