Leitura digital: uma aproximação entre tecnologia e alfabetização | parte 2


     

Letra A • Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2023, 13:24:00

Existe no Brasil uma exclusão digital. Isso fica claro com a conversa acerca da inclusão digital. Como pensar uma leitura digital, já que a tecnologia ainda é um produto elitizado

Na pandemia ficou mais óbvio ainda essa questão da exclusão digital. Porém, existem muitas formas de tecnologia, e a gente também tem que levar em conta que a tecnologia digital está, sim, na mão das pessoas. A porcentagem de crianças e de jovens com o celular hoje é muito grande, até mesmo nas classes D e E. O TIC Kids Online é uma pesquisa nacional muito importante que mapeia há muitos anos o acesso à tecnologia. Eles mapearam domicílios com computador e internet, apenas 16% não têm computador ou internet, ou os dois. É uma porcentagem relativamente pequena da população. E claro que há muitos níveis. Você ter acesso à internet não quer dizer que você tem acesso a uma boa internet, ter um celular com certeza não é suficiente pra ter o ensino remoto. Para leitura digital, ter um celular já é uma tecnologia que possibilita você realizar a leitura. Então, para a leitura digital propriamente dita, os recursos que a gente precisa não são tão sofisticados e a maior parte da população tem acesso a esses recursos. Outra questão da leitura digital, inclusive uma porta de entrada para a inclusão digital, é a de que a maior parte das obras, tanto de literatura digital como livro digitalizado mesmo, são formas de leitura offline. Você não precisa estar conectado à internet o tempo todo para conseguir ler uma obra de literatura digital. Você precisa, claro, acessar a internet para descarregar aquela obra, mas depois você consegue, mesmo que não tenha acesso à internet, ler aquela obra nos seus dispositivos, no seu celular. Então, é uma forma de texto que possibilita o uso da tecnologia digital, mesmo para quem tem menos recursos, como só um celular. E para as escolas também é essa questão. O TIC Kids Online mostra, por exemplo, onde as crianças e os jovens acessam a internet: 92% acessam em casa e só 32% acessam na escola. Então a gente tem ali uma grande lacuna, uma grande diferença entre a disponibilidade de recursos digitais e de internet na escola e [o] que as crianças têm em casa. E, também, a questão de que os recursos tecnológicos ficam defasados com o tempo, de modo a ser uma luta constante por mais recursos, pela renovação dos equipamentos. Mas o que a gente vê muitas vezes é que, mesmo nas escolas que têm equipamentos, os professores não sabem o que fazer com aquelas tecnologias, não têm formação, o que é uma questão muito importante. A gente já teve programa de um computador por aluno, não só no Brasil, mas em vários países, e está muito claro isso, que só ter acesso ao dispositivo não funciona. Você precisa dar capacitação para os professores. Eu acho que hoje temos que lutar pelo acesso universal à tecnologia digital e à internet, mas temos que lutar mais pela capacitação, para que pelo menos essas escolas que já têm esses dispositivos possam fazer um bom uso deles.

 

Como equilibrar a discussão entre literatura digital e tempo de tela? Existem estudos que atentem para o excesso de tela e o comportamento infantil?

 
É muito difícil você conseguir mapear nas pesquisas uma relação direta entre o uso de tela e o comportamento infantil. A Organização Mundial da Saúde tem recomendações de uso de telas para a primeira infância. Eles não recomendam para crianças com até dois anos, lembrando que o uso de tela não é só celular e computador, é inclusive televisão. Em nossa cultura, falamos muito das telas como se fossem só o celular e o tablet, mas a televisão também é uma tela que tem muita presença na vida dos brasileiros, inclusive de crianças e bebês. Porém, no próprio relatório da OMS, eles dizem que o nível de evidência para indicar que as telas podem prejudicar o desenvolvimento da criança ainda é muito baixo, porque é muito difícil você dizer que a criança usou muito a tela e, por isso, desenvolveu essa ou aquela condição. É muito complexa essa relação. Contudo, é sim recomendável que tenha um uso equilibrado das telas. A gente sabe que, mais essencial do que pensar se é o tempo de tela ou não é o tempo de tela, é pensar no tempo sedentário na vida da criança. Ela tem que fazer exercício, ela tem que estar em movimento, ela tem que estar em espaços abertos, isso tudo tem que ser equilibrado com o uso de tela e com outras atividades sedentárias que a criança pode ter, inclusive ler um livro. Porém, o que a gente vê, isso eu acho mais importante do que dizer se a criança ficou trinta minutos ou cinquenta minutos na tela, é o que a criança está fazendo na tela. A tecnologia digital é muito diversa, você pode fazer muitas atividades diferentes com o celular na mão. Você pode estar vendo YouTube, lendo um livro, lendo uma obra digital que é um híbrido de game, com literatura e com animação, pode estar lendo um livro tradicional, uma novela, um romance, falando com seus amigos no WhatsApp. Então são muitas coisas diferentes, formas de leitura, formas de mídia, formas de textos. E o que a gente vê é que a maior parte do tempo que as crianças passam com esses dispositivos é jogando games e usando as mídias sociais. São usos da mídia que muitas vezes podem ser empobrecidos. A gente sabe que a leitura tem um impacto muito grande no desenvolvimento escolar da criança, então, aquela que lê, que lê por prazer, vai ter um melhor desempenho escolar. Onde fica a leitura dentro dessas atividades que a criança faz quando ela está com a tela na mão? Não tem muitas pesquisas que mostram isso. É muito difícil você achar uma família que usa o celular como dispositivo para a leitura. As pessoas usam para outras coisas. O que eu sempre falo é que a gente precisa incluir a leitura dentre as atividades digitais e ainda equilibrar, quando se está com a tela dentro de um uso moderado, como fazer atividades de maior qualidade estética, artística, de provocação intelectual também. Por exemplo, ver televisão em si não é um problema. O problema é o que você está vendo e quanto tempo você está à frente da televisão em relação às outras atividades do seu dia. Eu acho que o importante mesmo é incluir mais atividades de qualidade, e a leitura digital é uma das atividades que mais podem enriquecer a dieta digital das crianças. Acho isso muito importante.

 

Continue Lendo:

Parte 1

Parte 3