Lugar de estímulos e experiências (2)


     

Letra A • Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014, 15:31:00

Explorando a narrativa

Uma maneira eficaz de desenvolver integradamente as inúmeras linguagens é estimular que elas contem histórias. Vitória Faria afirma que, quando é possibilitado desde cedo à criança o contato com histórias, filmes, conversas, tudo isso vai dando a ela a habilidade de criar enredos. “A narrativa é de uma riqueza ímpar, pois ela possibilita tanto os conhecimentos linguísticos como os conhecimentos de tempo e espaço”. Ela ressalta como a narrativa conversa com todas as linguagens, o que é extremamente necessário na Educação Infantil. “A narrativa pode ser expressa tanto por meio da oralidade, como por meio da escrita ou do desenho”, afirma. “Você pode ilustrar uma história, pode colocar uma sequência de fatos escritos, pode relacionar músicas aos acontecimentos, ao tempo, a tudo. As linguagens são muito amplas e a narrativa perspassa todas elas de certa forma. Isso é fundamental para a estruturação do pensamento da criança”, completa Vitória.

Na exposição das produções dos alunos realizada pela Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) Alaíde Lisboa, no final do ano letivo, a professora Denise Alves dos Santos contou sobre a atividade realizada em parceria com a professora Renata Costa com crianças de 3 anos de idade. O projeto, que surgiu devido à dificuldade dos mais novos em compartilhar seus brinquedos, explorou a questão da narrativa a partir da oralidade e da interação com os objetos. Os alunos levavam um saco para casa no qual deveriam trazer alguns de seus brinquedos para dividir com os colegas na sala de aula. Quando as crianças chegavam com o saco de brinquedos a turma era organizada em uma roda, onde a narrativa era desenvolvida. “Eles tinham que mostrar o que trouxeram, falar do brinquedo, contar quem deu para eles, explicar o nome do brinquedo, ensinar a brincar e, por fim, compartilhar com os colegas”, relata Denise.


Brincar e interagir

A pesquisadora no campo da Matemática da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professora da Unidade de Atendimento à Criança da mesma universidade, Priscila Domingues Azevedo Ramalho, fala sobre a diferença entre a prática educativa no Ensino Fundamental e na Educação Infantil, usando como exemplo o trabalho com o conhecimento matemático. “A proposta de resolução de problemas no Ensino Fundamental traz problemas mais estruturados, com enunciado; a criança tem que resolver com algoritmo, que seria aquela continha para dar um resultado”, explica. “Já na Educação Infantil, trabalhamos a partir de jogos, brincadeiras, histórias infantis e resoluções de problemas não convencionais que vão utilizar o raciocínio lógico matemático”, completa. No desenvolvimento da linguagem matemática na Educação Infantil, nem sempre a resposta esperada na resolução do problema é um número. “O que vai valer é a forma como a criança pensou, as estratégias que utilizou e as hipóteses que levantou”, afirma Priscila. As Diretrizes Curriculares Nacionais preconizam como eixos principais do trabalho realizado na Educação Infantil as interações e as brincadeiras. Esses eixos seriam, portanto, o principal diferenciador da prática educativa que acontece nesta etapa educacional e na seguinte. Na Educação Infantil, a criança vai aprender conceitos matemáticos sem saber que aquilo é matemática. E isso acontece não só com essa linguagem, mas com todas as demais que são trabalhadas nesse momento.

Pensando nessa prática educativa presente na Educação Infantil, que é planejada de modo a respeitar a infância, Priscila Domingues entende que a essência dessa forma de trabalho deveria ser estendida aos primeiros anos do Ensino Fundamental: “Uma criança é criança até os 12 anos. Será que os anos iniciais do Ensino Fundamental não deveriam repensar a forma como é trabalhada a Matemática com essas crianças? Será que é passando um monte de exercícios, sentando na cadeira durante horas que se vai aprender a Matemática? Será que os anos iniciais não deveriam resgatar um pouco o que a Educação Infantil tenta priorizar, que são os jogos e as brincadeiras?”, problematiza a educadora.


Desde os bebês

No Brasil, a matrícula na Educação Infantil é obrigatória a partir dos 4 anos. Porém, o atendimento educacional da criança deve ser assegurado, pelo poder público, desde seu nascimento. As creches são atendimentos educacionais que devem assegurar à criança seu pleno desenvolvimento e, por isso, as atividades a serem realizadas com crianças de 0 a 3 anos, ainda que não sejam as mesmas que as realizadas com as crianças maiores, devem ser encaradas como de igual relevância. “O período de 0 a 3 anos é o mais importante do desenvolvimento da linguagem”, comenta Alma Carrasco, pesquisadora da Benemérita Universidade Autônoma de Puebla, no México.

A criança, nesses três primeiros anos, além de começar a descobrir o próprio corpo e a desenvolver sua coordenação motora, inicia também o processo de tentar se comunicar. “A criança nesse período está aprendendo a ver o mundo, a representar o mundo e a representar e entender sua própria vida”, afirma Alma. A pesquisadora, que trabalha em um espaço que, há 16 anos, tem uma biblioteca para bebês, fala um pouco da relação dessas crianças com os livros. Ela ressalta a importância de se trabalhar com obras que possuam linguagens diferentes da coloquial: “O que um bom livro oferece às crianças são formas de linguagem ausentes em seus cotidianos”. Lidar com esses diferentes modos de se comunicar amplia o conhecimento linguístico da criança. “A ausência de linguagens inteligentes, emotivas, criativas de comunicação em situações cotidianas das crianças de 0 a 3 anos pode fazer com que elas cresçam com uma linguagem muito utilitária”.

Além de promover o desenvolvimento linguístico, muitas vezes, na Educação Infantil, o livro vai ganhar significações mais amplas. “Os bons livros para as crianças possuem um recurso fundamental para a vida social: encontrar maneiras de se expressar”, afirma Alma. Para Alma, é fundamental o contato com linguagens complexas e variadas desde o primeiro ano de vida, sendo os livros infantis um dos mais importantes instrumentos para isto. “Não se trata de só ler, trata-se de aproveitar esse recurso cultural e direcionar as crianças, porque elas, de maneira natural, se interessam intensamente quando existem essas práticas regulares”, completa. E, ao entrar para a escola, Alma acredita que a criança que teve essas vivências provalvemente terá mais recursos para se integrar, “porque já é tratada de maneira inteligente desde que nasceu”.


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Lugar de estímulos e experiências - Parte 1

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