Materiais didáticos e práticas pedagógicas significativas

Editorial da edição 46 do jornal Letra A


     

Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 10:58:00

Em um contexto de ensino e de aprendizagem, especialmente nos ambientes escolares, são reconhecidos vários artefatos que cumprem um papel de mediação no processo de construção de conhecimentos, que vão desde o quadro e o giz até os materiais impressos que são fonte de informações ou que orientam o planejamento das aulas. A presença desses artefatos em versões mais contemporâneas instituídas pelo avanço tecnológico pode até atualizar a paisagem escolar, mas a sala de aula, nas suas interações mais típicas, ainda está centrada nas relações interpessoais estabelecidas entre os professores e os alunos.

Uma hipótese inicial a ser levantada seria a de dizer que a qualidade dos materiais didáticos presentes no processo de escolarização seria um dos fatores a favorecer praticas pedagógicas significativas, estimulando a produção e a circulação de conhecimentos de diversas naturezas e, principalmente, promovendo relações interpessoais que situam professor e aluno como sujeitos que produzem conhecimentos. Essa hipótese seria respaldada pela defesa de que as condições materiais que envolvem o processo de ensino e de aprendizagem determinam as possibilidades de acesso a certos artefatos que demarcam as culturas do escrito. Nessa direção, a representatividade da instituição escolar como forte agente no processo de letramento certamente cria a necessária expectativa de que nesse ambiente devam existir acervos impressos ou possibilidades de acesso a materiais que instituam práticas de leitura e de escrita significativas.

Com essa demanda, inicia-se um deslocamento de uma natureza mais quantitativa (não seria apenas a presença numérica de livros, por exemplo, o único fator a ser considerado) para uma natureza mais qualitativa que indaga os critérios que estabelecem os significados dessas práticas de leitura e de escrita (significativas para quem? Quando? Onde?...). Esse movimento que busca aliar critérios quantitativos e qualitativos está expresso em políticas públicas de distribuição de materiais didáticos que, no caso das políticas do livro didático presente no PNLD, por exemplo, tentam garantir, por um lado, que o aluno possa manusear um artefato cultural que o ajude na sua vida escolar e, por outro lado, que o professor e o aluno possam ter acesso a conteúdos disciplinares com informações e conceitos corretos, amparados em uma proposta metodológica coerente e consistente. São também esses argumentos que justificam a formação de acervos literários para as bibliotecas, em programas como o PNBE, de modo a garantir princípios democráticos de acesso a bens culturais nas escolas públicas. Em todos esses programas públicos a transparência dos processos de avaliação constitui-se como um traço de qualidade historicamente construído e continuamente em estado de aperfeiçoamento.

A idealização dos materiais didáticos como mediadores suficientes para garantir a qualidade das aulas em direção a uma maior sistematização do conhecimento não pode, no entanto, transformar os materiais em fetiches pedagógicos que vão solucionar problemas, definir propostas e impor práticas seguindo um único ritmo e uma inflexível ordenação. Ao contrário, como bem expressam os depoimentos dos professores e as pesquisas sobre o uso de materiais didáticos referenciados nessa edição do Letra A, existem inúmeros fatores que indicam uma variedade de opções, principalmente aquelas que instituem adaptações em função da natureza do processo de ensino e aprendizagem em contextos mais locais e específicos. Esse processo de releitura e de usos diferenciados dos materiais didáticos certamente revela uma maior sensibilidade do professor para tomar como parâmetro o aluno e as suas condições de aprendizagem, mais do que simplesmente tentar executar um programa de ensino muitas vezes irrealista. Para dar fundamento a essa sensibilidade defende-se, em diferentes fóruns de discussão e em diferentes espaços de decisão, o direito fundamental de o profissional da educação ter ações de formação continuada exatamente para que o exercício de uma maior autonomia pedagógica seja um exercício praticado com responsabilidade.

Assim, especialmente em tempos de crise de natureza política e institucional urge assegurar direitos adquiridos pela sociedade como resultado de conquistas e reivindicações de quem foi, em algum tempo, privado destes direitos. Em tempos em que ideias e ações de censura se insinuam, também urge lutar pelo respeito à diversidade, princípio ético fundamental numa sociedade democrática. No campo educacional, as conquistas em relação à democratização do acesso, à permanência e melhoria do tempo de escolarização, a formação inicial e continuada de professores dialoga com políticas que garantem vários direitos, e uma delas está representada pelo acesso a materiais didáticos que promovam práticas pedagógicas significativas A universalização e a singularização de materiais precisam se equilibrar, mas não por falta de acesso e qualidade.

O contexto histórico contemporâneo traz grandes desafios para a efetivação de direitos conquistados, sinalizando a necessidade de efetivação de práticas educativas significativas que, por estarem situadas no século 21, precisam estar referenciadas em práticas democráticas que respeitem princípios básicos de liberdade de expressão.

Por Gilcinei Carvalho e Isabel Cristina Frade - Editores pedagógicos do Letra A