Materiais didáticos: escolhas e usos na alfabetização (2)
Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 09:25:00
O aluno, a turma e o material didático
Como os planejamentos são propostas que serão aplicadas em sala de aula, é normal e esperado que novas demandas surjam na prática do dia a dia. Por isso, Giane Silva acredita que o professor “pode e deve extrapolar seu planejamento inicial a partir do momento em que identifica as necessidades do aluno”. “O professor é quem dá o tom da aula, levando em consideração o seu público”, observa. Giane ainda destaca que o livro didático foi feito para ser usado por todos os alunos ao mesmo tempo, mas as turmas são muito heterogêneas. “Nós temos alunos com diversos perfis na escola pública. As dificuldades começam aí. Nem sempre o livro adotado atende as expectativas dos professores, tampouco contempla plenamente os objetivos pretendidos por eles.”
Maria Leani Freitas, professora do 1º ano da Escola Municipal Maria Alice, em Fortaleza (CE), atentando para a diversidade em sala de aula, inicia o processo de alfabetização com a lista do nome das crianças da turma. “Antes de trabalhar com o livro, eu vou conversar com eles, passar a lista dos nomes e trabalhar com a identificação. Com isso, faço uma avaliação diagnóstica inicial, para saber quais são as crianças que conhecem todas as letras. Então, eu vou com o livro e já sei quais intervenções [realizar] e quais são as crianças de que vou estar mais próxima”, explica.
Viviane Spiess, ao trabalhar com o livro didático, valoriza a heterogeneidade da turma. “A primeira olhada no livro é coletiva. Mas, depois, a gente abre espaço para cada um trazer a sua vivência, aquilo que ele observa, por onde ele circula, o quanto aquilo faz sentido ou não para ele”, explica. A professora dá um exemplo: ao trabalhar a unidade do livro de Ciências que trata de doenças transmissíveis, a contextualização do tópico no livro foi feita com a imagem de um cartaz de posto de saúde. Ao ver a imagem, um aluno disse: “Profe, lá no postinho do bairro tem um cartaz bem parecido com este”. Viviane aproveitou a fala da criança para estimular os colegas a observarem o cartaz, dizendo: “ótimo, quem de vocês vai para o posto esta semana? Vamos dar uma olhada se tem mais cartazes desse daqui?”
Para dialogar com as demandas de seus alunos, Jussimara Rocha vale-se da elaboração de jogos autorais. Ao trabalhar com uma turma que tem dificuldade em contagem, a professora elaborou um jogo com palitos de picolé (de duas cores diferentes) e um dado: as crianças, jogando em duplas, precisavam completar uma grade com os palitos, e isso acontecia aos poucos, de acordo com o número que caía no dado arremessado. Com a produção desse jogo, Jussimara atendeu algumas necessidades específicas: “havia muitos que não conseguiam contar um por um, contavam duas, três vezes o mesmo [item]. Para mim, é fundamental o planejamento do jogo para que eu consiga atingir os objetivos que eu estou esperando lá no final do mês”, acredita.
Meridien Souza explica que, em seu trabalho, valoriza as atividades autorais, “em que aparece o nome da criança, o nome da turma, uma atividade que é feita para aquele grupo”. “Eles se sentem valorizados e mais identificados”, ressalta. Em sua experiência com turmas de 1º ano, ela trabalha da seguinte forma: “eu sempre dou uma atenção ao material, mas não entendo o livro didático como sendo prioritário no 1º ano. Quanto mais jovem é o seu aluno de entrada, mais importante é trabalhar o conhecimento de mundo dele antes de colocar o material [didático] para a criança”, defende a professora.
Materiais em sequência
Uma proposta que vem sendo valorizada em cursos de formação continuada e já se mostra incorporada ao planejamento de muitos professores na alfabetização é a da sequência didática. Os efeitos que esse tipo de trabalho pode provocar na prática do professor são explicados por Giane Silva: “o estabelecimento de sequências didáticas possibilita ao professor refletir sobre o trabalho que deseja realizar com sua turma, tendo clareza dos objetivos que deseja alcançar e como irá alcançá-los”. Além disso, a pesquisadora acredita que optar por trabalhar com sequências didáticas permite que “o professor amplie a proposta realizada pelos autores no livro didático”.
Trabalhar com sequência didática também permite que o trabalho do professor seja mais interdisciplinar, segundo Clécio Bunzen. “Uma sequência didática sobre o gênero ‘receita’, por exemplo, pode ser realizada com o auxílio do livro didático de Português, de História e de Matemática, assim como as obras complementares do PNBE e livros de literatura”, exemplifica o professor da UFPE.
A professora Maria Leani Freitas acredita que a sequência “amarra” suas atividades propostas, evitando que elas fiquem soltas. “Todo dia que eu vou retomar a sequência, eu digo: ‘lembra da atividade que a gente fez ontem? Então, hoje vai ser assim, assim e assim’. Quando essa sequência é vinculada a um texto, seja ele do livro didático ou de literatura, eu retomo a leitura e a criança sabe que nós vamos fazer atividades sobre aquele texto”, ressalta a professora. Ela acredita que a maioria dos professores já superou a questão de seguir à risca a sequência do livro. “Por exemplo, chega agosto [mês em que se comemora o Folclore], mas lá no final é que tem alguma lenda, então eu vou lá para o final do livro. Eu vou e volto, o livro não me guia”, afirma.
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