Materiais didáticos: escolhas e usos na alfabetização (3)


     

Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 09:27:00

 

Conteúdos em relação

A opção por utilizar diferentes materiais didáticos não só consegue atender a uma diversidade maior de interesses e necessidades dos alunos, como pode estimular, a partir disso, que as crianças reflitam sobre a presença desses vários materiais. Viviane Spiess conta um exemplo, no qual utilizou mais de um material para complementar o tópico trabalhado no livro. “O livro pediu para a gente ver o que é hidrografia, lá está o conceito, então vamos ler no livro. Mas como seria isso na realidade? O que é um rio? É aquele córrego que nós temos ali perto de casa? Ele também é um rio? Mas ele vai conectar com o quê? Então, você acaba trazendo literatura, jornal... A gente estimula, vai mostrando, e eles vão fazendo as ligações”, explica Viviane. Para a professora, é preciso “sair” do livro para que os alunos conectem seus conteúdos com a realidade. “O que eles leram lá não pode ser uma coisa estática. Precisa se tornar algo que resolva o cotidiano deles, que eles consigam se perceber como parte daquilo”.

O uso do livro didático, então, pode estar sempre amparado e sendo enriquecido pelo uso de outros recursos. Viviane narra uma relação que seus alunos fazem do conteúdo do livro didático com a história do livro A promessa do girino, no qual o girino e a lagarta, que se apaixonam, prometem não mudar de forma: “quando a gente trabalha na explicação [do ciclo de vida] dos animais e a questão da mudança que acontece no corpo, muitas vezes eles dizem: ‘professora, mas isso que nós estamos estudando em Ciências não é o que aconteceu lá com A promessa do girino?’”. Para a professora, a literatura ajuda a criança a fazer “pontes” e a perceber “que aquele conteúdo que a gente está vendo não é um conteúdo só pelo conteúdo, tem uma relação com o contexto e a formação de mundo”, defende.

Além dos recursos mais utilizados, como jornais, cartazes, gibis, livros literários, o acesso mais facilitado hoje às tecnologias digitais pode oferecer um auxílio diferenciado. A professora Jussimara, de Porto Alegre, fala dos prós e dos contras do uso da internet como fonte de materiais didáticos. “Vou te dizer que fico cansada às vezes, porque busco, por exemplo, um vídeo sobre o dia e sobre a noite, e aí começa a vir muita coisa, e tem que ter tempo de selecionar isso, ver o que é bom, o que não é. Isso mudou muito, porque antes tinha que desenhar, fazer o cartaz, agora existem mil e uma formas de trabalhar cada conteúdo”.

 

“Abrir o livro e poder conversar”

As decisões a serem tomadas pelos professores devem ser pensadas em função dos alunos, precisam contemplar as orientações ou exigências das coordenações das escolas e das redes de ensino e ainda respondem a intervenções das famílias das crianças. Tão importante quanto ouvir essas várias vozes é o educador ter criticidade em relação a suas escolhas, sabendo por que as fez e projetando as finalidades.

Giane Silva defende que é preciso que o professor conheça os limites e as possibilidades de cada um dos materiais didáticos utilizados. “Para isso, escolas, secretarias de educação e equipes que coordenam o trabalho dos professores precisam assumir o compromisso de organizar momentos de formação dos profissionais, enfatizando a importância da seleção criteriosa de materiais no processo de alfabetização e a necessidade de conhecê-los de modo aprofundado, para que seja feito um trabalho de qualidade”, reforça Giane.

A reivindicação pela existência de momentos para refletir sobre as escolhas e os usos dos materiais didáticos também pode ser percebida na fala dos educadores. A professora Maria Leani explica que existe o dia de planejamento em sua escola, mas o uso desse tempo também é ocupado com outras tarefas que limitam o espaço para trocas entre as professoras. “Acaba que não sobra muito tempo para discutir o que deu certo, o que não. Faz falta, porque é muito importante para o professor não cair no pragmatismo de não pensar a prática”, acredita.

A professora Jussimara, por sua vez, sente falta de um horário para a elaboração coletiva de materiais didáticos, como jogos, além dos horários reservados para planejamento. “O que acontece é que a gente acaba ficando muito preso ao planejamento nesses horários e não tem o tempo para a produção de jogos, como a gente tinha no Pacto [Nacional pela Alfabetização na Idade Certa], por exemplo”, explica.

Já a professora Viviane conta que, em sua escola, também há horários para discussão planejados pela coordenação, mas que a falta de professores e uma alta rotatividade dificultam as trocas, segundo ela. “Contudo, nós somos pessoas muito teimosas. Muitas vezes nós deixamos recados uma para a outra: 'tem uma atividade boa, está na página tal, o que tu achas?'. No dia seguinte, está o recadinho de volta: 'eu tirei uma cópia, realmente atende isso, isso e aquilo’”, conta Viviane. No entanto, a professora defende que “o ideal seria que a gente pudesse sentar e olhar uma para a outra, abrir o livro e, de fato, poder conversar”.

 


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