Materiais didáticos: escolhas e usos na alfabetização (4)
Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 09:30:00
Canções e ritos como material didático na aldeia
Morador da aldeia Pataxó Muã Mimatxi, em Itapecirica (MG), o professor indígena Saniwe Pataxó conta que lá não ocorre o uso de material didático “de fora”. Professor de alfabetização de turma multisseriada na Escola Estadual Indígena Pataxó Muã Mimatxi, Saniwe explica que o contato com conhecimentos que vêm de fora da aldeia ocorre, “mas não vai ser logo ‘de topada’ que a gente vai trazer para a criança, porque a gente vai trabalhar o conhecimento dela com a vida, para depois também fazer ela conhecer cá fora na cidade”, resume.
A produção de material didático é realizada em sua aldeia e faz parte da rotina das atividades escolares – o que tem sido potencializado por ações, como o programa Saberes Indígenas na Escola, que tem entre seus objetivos a produção de materiais didáticos e paradidáticos que atendam as especificidades da educação indígena. Na aldeia de Saniwe, um diferencial na produção desses recursos é o fato de não estar centrada apenas como tarefa dos professores; os alunos e a comunidade participam do processo. O professor conta que os alunos produzem desenhos, músicas, poemas e outros textos que servem como material. “Para nós, a comunidade é escola e a escola é comunidade: está tudo ligado, sempre nos acontecimentos que tem na aldeia, a escola está presente”, afirma.
Em decorrência dessa forte integração, ritos e cantos tradicionais têm presença significativa na educação escolar, o que amplia a noção de material didático que se tem usualmente nas escolas não-indígenas. Saniwe explica que a alfabetização é iniciada com a música. “Ela ‘destrava’ a língua da criança, ela vai se expressar mais”, afirma o professor, que também defende que “dentro da música, ela vai aprender a fazer a escrita e a leitura também das palavras”. A oralidade e os desenhos são importantes no ensino e na transmissão de conhecimentos. “Tem professores [das disciplinas] de Cultura e Território que dão aula para meus alunos também, e um não sabe escrever, então, através do desenho ele dá a aula”, conta.
Multisseriação e novas demandas no contexto do campo
Dilma de Aquino Silva, professora da Escola Municipal João Eduardo Pereira, escola do campo em Olhos D’água (MG), dá aulas para uma turma bastante heterogênea: em sua sala, crianças matriculadas nos 1º e 2º períodos da Educação Infantil e nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental aprendem juntas. Quanto aos materiais, há diferenças em cada caso: enquanto os alunos de Educação Infantil não têm livros didáticos próprios, os de 1º ano têm um livro de alfabetização, um de Português e um de Matemática, e os de 2º ano, além desses três, têm ainda um de História, um de Ciências e um de Geografia.
Uma vez que na Educação Infantil as atividades procuram valorizar o desenvolvimento da oralidade da criança, e nos primeiros anos de Ensino Fundamental a escrita ganha maior ênfase, Dilma alterna a dinâmica das aulas. “Atendo ao 1º e ao 2º ano, enquanto isso eu dou uma atividade lúdica para os alunos da Educação Infantil, e termino de trabalhar ali com os de 1º e 2º. É conciliando, mas tem determinados momentos em que são trabalhados juntos mesmo, dependendo daquilo que a gente estiver trabalhando”, explica.
A professora conta que faz uso dos livros didáticos praticamente todos os dias, mas sente uma necessidade grande de complementar esse uso com outras atividades, por meio de materiais que encontra em pesquisas ou que ela mesmo elabora. Além disso, Dilma utiliza livros de outras editoras, além dos que recebe pelo PNLD do Campo [versão do programa que seleciona e distribui livros para escolas do campo, atendendo às especificidades dessa educação]. “A gente, como professor, tem mania de não descartar nenhum livro. De acordo com o que estamos trabalhando, a gente vai agregando essas atividades”, diz.
O complemento ao conteúdo do livro é essencial para Dilma, já que ela acredita que os livros voltados para a educação do campo sejam “enxutos” em comparação com os que são destinados às escolas das cidades. “Às vezes, no primeiro semestre a gente esgota os conteúdos, principalmente [os livros] de História, Ciências”, afirma. Para ela, “dá a impressão de que o material do campo é muito resumido, o que a gente questiona bastante: não é porque é do campo que o material tem que ser mínimo”, alerta. Dilma pede que as observações dos professores do campo sobre a elaboração dos materiais que eles recebem sejam ouvidas. “A gente sabe que a questão da educação do campo é muito recente. O que nós esperamos é que venha um reforço maior de que a educação do campo seja vista não como uma educação diferente, mas como uma educação que necessita ser mais consistente”.
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