Mudanças tecnológicas e culturais na comunicação: desafios para a educação

Editorial do Letra A 52


     

Letra A • Quinta-feira, 17 de Outubro de 2019, 17:28:00

 
Há muito tempo a comunicação vem alterando e impactando as práticas escolares, de um ponto de vista técnico e cultural. A invenção da imprensa, por exemplo, fez com que os professores pudessem ministrar suas aulas com todos os alunos lendo os mesmos textos, ao mesmo tempo em que passaram a ter acesso a uma multiplicidade de textos. Isso foi possível pela impressão em grande escala que estendeu o volume de textos e os gêneros que circulavam de forma manuscrita. Essa dimensão que parece técnica, aumentou as possibilidades de alfabetização e alterou as práticas de letramento. Quando a imprensa chegou em vários países, mesmo que de forma desigual, foi  necessário formar públicos leitores para participar de uma cultura do impresso que também alterava a sociedade. No entanto, muitas vezes, este impacto foi naturalizado e a escola continuou a funcionar como depositária de um repertório cultural.
 
No século XX, com o advento do rádio e da televisão e a disseminação de novas linguagens, sobretudo na modalidade oral, a públicos cada vez mais extensos, vimos outros fenômenos técnicos e culturais de longo alcance, mas a televisão, por exemplo, se constituiu mais como uma ameaça do que como aliada do processo educacional, sobretudo pelos interesses comerciais aos quais as mídias foram respondendo, ficando, inclusive, dependentes desses interesses em vários níveis. Neste contexto assistimos e participamos de um fenômeno que foi crescendo, independente dos controles: os repertórios culturais foram se ampliando, alterando identidades, mostrando novas fronteiras e isso trouxe ressonâncias para um fator que consideramos fundamental, na educação: qual o sujeito da educação? Como ele se forma? Quais os seus interesses? Independente de a escola trabalhar com as mídias e suas linguagens, os sujeitos não seriam mais os mesmos e teríamos que trabalhar de forma crítica os discursos das diferentes mídias.
 
Com o advento das tecnologias digitais, o impacto é incalculável, pois as instituições que detinham um tipo de monopólio do conhecimento, como a escola, estão perdendo um tipo de função, a de apresentar informações, para reforçar outras, como as de ajudar os alunos a fazer perguntas e críticas em torno do conhecimento, sua produção e disseminação. Em tempos de compartilhamento e redes sociais, de acesso livre e pago, de aprendizagem informal, de novas trocas linguísticas e múltiplas semioses, de novos suportes e gêneros textuais, há que se repensar os conteúdos, as formas de ensino e a aprendizagem.
 
Certamente, essas são novas questões para o letramento e a alfabetização. Com a invenção de novos sistemas que convivem com o alfabeto, precisaremos mudar o conceito de alfabetização? Como estão sendo produzidos os novos gêneros da esfera científica, informativa e literária?  Que literatura está sendo reinventada? Que tipo de oralidade vem sendo construída?
 
Indo além da constatação um tanto ingênua de que temos que incorporar inovações no sentido metodológico, temos que ter com elas uma postura mais reflexiva e crítica: a de compreender como e porque as mídias, sobretudo no contexto digital, têm alterado sujeitos, os grupos e a sociedade. As mídias substituem as formas de interação e socialização de nossas crianças, jovens e adultos que são vivenciadas na escola, em casa, nas igrejas? 
 
Pensando em problemas mais amplos, acreditamos que os alunos não podem se tornar apenas comunicadores, mas usuários e produtores críticos de conhecimento. Precisam se encontrar com seus pares, online ou presencialmente, participar de ações locais e globais, precisam ler e escrever cada vez mais, usando outros sistemas igualmente complexos. São muitos os produtos culturais, os efeitos políticos, econômicos e educacionais que foram gestados no último século. Este número, em especial, aborda algumas dessas questões.   
 
Neste número, damos voz a Graça Paulino, intelectual e amiga que perdemos neste ano. A republicação de um texto seu é uma forma de homenagem e de reafirmação de suas ideias, tão importantes para quem pesquisa e para quem ensina literatura. O seu legado nos inspira a continuar os esforços para garantir que a literatura seja direito de todos e que tenhamos o direito de pensar pela diferença.