No campo e para o campo
Oito estudantes são os guias em uma visita à Escola Família Agroecológica de Araçuaí, ligada a mais de 50 comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha
Letra A • Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016, 16:26:00
Por Vicente Cardoso Júnior
O passeio começa pela cunicultura. No local onde os coelhos são criados, Aender é o primeiro dos oito estudantes a assumir o papel de guia. Explica que, pela manhã, o grupo que for responsável por aquele setor na semana “corta o verde e distribui nas gaiolas, e faz a limpeza”. “À tarde, a limpeza é mais detalhada”. O horário de cerca de 45 minutos, de manhã bem cedo, antes de irem para a sala de aula, é conhecido como domésticas; à tarde, é o momento das práticas - os dois termos, sempre na ponta da língua dos mais de 100 estudantes da Escola Família Agroecológica (EFA) de Araçuaí, se referem aos momentos diários em que eles assumem os cuidados de todos os setores da fazenda onde a escola funciona.
A parada seguinte é a horta, onde Joana é a primeira a tomar a palavra: “aqui são implantadas várias atividades que a gente estuda na sala de aula, como o canteiro econômico, o canteiro suspenso…” A colega Iara logo emenda que ali é um espaço de “expandir as maneiras ecológicas de cultivo, através de coisas da comunidade que a gente trouxe”. Pouco depois, Naiandra explica por que todo o cultivo ali é feito com economia de água, apesar de a escola ter boa disponibilidade do recurso, já que fica localizada à margem da barragem do Calhauzinho. No entanto, das 57 comunidades rurais que têm estudantes na escola, “pode tirar uma ou duas que têm essa disponibilidade de água”. “Para estar transmitindo para os agricultores das comunidades, a gente tem que trabalhar [com essa restrição]”, explica Naiandra. Atualmente, a EFA Araçuaí atende adolescentes e jovens de oito municípios do Vale do Jequitinhonha, a grande maioria da zona rural.
Ainda na horta, uma pequena disputa surge, para decidir quem vai falar sobre a plantação de palmas; o motivo, esclarecem os alunos, é por esta planta ser um “símbolo do semiárido”. É então Raílson quem conta que o principal uso da palma, resistente à seca, é para a alimentação de bodes. A forma de processamento, explica o estudante, “depende da condição financeira do agricultor: pode cortar com o facão mesmo ou, caso tenha motor, passar no desintegrador”.
Na agrofloresta, o setor seguinte, são plantadas espécies nativas, com sementes crioulas trazidas pelos próprios alunos, de suas casas ou de vizinhos, e que são armazenadas ali perto, na casa de sementes. Junto à agrofloresta, também ficam os compostos, adubação orgânica obtida a partir de dejetos de animais, matéria seca e restos de alimentos que vêm da cozinha. No caminho entre esse ponto e a criação de suínos, os estudantes chamam a atenção para o capim napier, principal alimento das criações da fazenda.
Passam as criações de suínos e de caprinos e a horta medicinal, “onde tem diversas variedades de plantas, como hortelã, capim cidreira, e, para qualquer coisa que alguém precisa, procura aqui”, diz Fabrícia. Chega então o setor das aves, onde, o grupo não tem dúvida, quem deve começar a falar é Luís: os patos, galinhas e seus filhotes são seu xodó. O garoto apresenta as duas chocadeiras, de capacidades para até 60 e 100 ovos, e explica ainda por que as patas podem ficar fora do ninho por mais tempo que as galinhas: “elas soltam as plumas e deixam no ninho, para aquecer os ovos”.
No pomar, os alunos contam que, de algumas árvores, são retirados os frutos para fazer os sucos servidos nas cinco refeições diárias. Quase chegando ao campo de futebol, apresentam o ‘pau-brasil falso’, mostram sua semente, de um vermelho vivo e esmaltado, quando Joelma sugere: “faz assim, dá uma sementinha para todo mundo”. E juntam as mãos, cada um com sua semente, para uma foto. Tinha que ser ideia da Joelma, a mais artista, um deles comenta.
Chegando ao jardim do pátio, que fica no centro das edificações que recebem as salas de aula, dormitórios e demais dependências da escola, o grupo conta sobre as demais atividades pedagógicas, desenvolvidas em sala de aula ou no retorno a suas casas. Como a EFA Araçuaí funciona no sistema de pedagogia da alternância, os estudantes ficam 15 dias ali em internato, alternados com um período igual em casa, quanto têm atividades previstas para desenvolver diariamente. Além dos conteúdos regulares do Ensino Médio e do cumprimento de horas de estágio para se formarem como técnicos em agropecuária, os estudantes fazem relatos escritos das atividades práticas desenvolvidas tanto na escola quanto em suas comunidades. A realização dessa visita guiada, por exemplo, eles terão que relatar.