Novas mídias na sala de aula

Presentes no cotidiano das crianças, as tecnologias digitais modificam a relação com as linguagens, criam novos campos de ação para o professor e abrem um novo mundo de possibilidades cognitivas para alunos em fase de alfabetização


     

Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 14:39:00

Por Jeisy Monteiro e João Vítor Marques

Da escola, um grupo de viajantes parte em direção às planícies holandesas, onde se deparam com uma língua nada familiar. Mesmo assim, desbravam ruas e pontos turísticos do país europeu, até que a guia da expedição indica que devem partir: é hora de atravessar o oceano rumo aos Estados Unidos da América. Encantados com a experiência, os viajantes visitam vários outros países até que, enfim, retornam a uma chuvosa Belo Horizonte.

O roteiro de volta ao mundo, que poderia ter sido traçado por uma empresa de turismo, não levou nem uma hora para ser percorrido por um grupo de crianças de 6 anos. Sem sequer saírem da sala multimídia da Escola Municipal José Madureira Horta, em Belo Horizonte (MG), os alunos do 1º ano utilizaram os recursos do Google Maps para conhecer lugares do mundo e aprender noções de direção. “O computador pode deixar as coisas mais palpáveis. O aluno vê, descobre, percebe. Entende que holandeses são pessoas iguais a nós, mas que a língua muda. Eles começam a ganhar uma dimensão do real, saem um pouco do imaginário, que é algo recorrente nessa idade”, explica Maria de Fátima Cafieiro, professora da turma. Enquanto exploravam o Google Maps, as crianças, além de aprender conteúdos, adquiriam habilidades para o uso competente daquela ferramenta. Com a chegada definitiva das novas mídias às mãos das crianças, alfabetizar para a leitura e a escrita nos meios digitais torna-se missão indispensável da escola.

Os tradicionais laboratórios de informática ganharam a companhia dos dispositivos móveis, especialmente tablets e celulares, constituindo uma boa variedade de recursos digitais para se explorar. No entanto, a imagem das tecnologias para grande parte dos educadores ainda é a de um instrumento para diversão ou para usos pontuais, e não a de objeto de conhecimento em si: “As tecnologias criadas são de informação e de comunicação. Mas, quando chegam à escola, a comunicação sai, fica só a informação. Para a sala de aula ter, de fato, ressonância com as práticas da criança fora da escola, temos que integrar processos de aprendizagem com os processos comunicativos”, afirma Marcelo Buzato, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O resultado dessa integração desejada seria uma conexão maior entre a escola e as práticas sociais baseadas no digital. Nesses novos meios, a relação com as linguagens se transforma: imagem, som e vídeo se misturam à escrita e aumentam sua importância na interpretação textual. Além disso, a leitura se torna menos linear e as possibilidades de criação e compartilhamento se ampliam. Mais que divertimento para a criança e desafios para os professores, acostumados a lógicas tradicionais de ensino, as mídias digitais representam um novo mundo de leitura e de escrita a ser explorado.

Novos processos cognitivos

Segundo Julianna Silva Glória, doutora em Educação pela UFMG, as mídias digitais exigem outra forma de captar conhecimentos. Os alunos apreendem texto, imagem e som ao mesmo tempo em que são alfabetizados, por meio do que ela e Isabel Frade, pesquisadora do Ceale, chamam de “práticas semióticas necessárias para se movimentar no mundo contemporâneo”. Julianna explica: “A ideia da evolução dos suportes escritos é proporcionar novas experiências com a escrita. Então percebemos que há uma relação muito semiótica, de interpretação, quando a criança está diante do computador, pois ela entra em contato com o brilho da tela, com as teclas, com os sons, bem diferente do que ocorre com o impresso.”

Atenta a essas novas experiências com as linguagens, Maria de Fátima Cafieiro percebeu que o uso do computador tem auxiliado seus alunos de 6 anos a assimilar alguns aspectos da escrita: “Quando começam a escrever, as crianças escrevem muito ‘emendado’, porque a gente usa letra de forma e o espaçamento entre as palavras é mais difícil de ser visualizado. Ao usarem o computador, elas viram que existia uma tecla específica para o espaço, o que chamou a atenção para o espaço entre as palavras que não era tão notado antes”. Os alunos de Fátima também passaram a marcar o uso das letras maiúsculas no início das frases na escrita à mão depois que se familiarizaram com o uso da tecla de mesma finalidade, o shift.

Nesse novo cenário, uma das principais dúvidas que pode surgir para o professor que escolhe utilizar as tecnologias em sala é: quais programas, aplicativos e jogos são adequados para o ambiente pedagógico? Para a professora do Núcleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Ana Paula Knaul, é possível aproveitar conteúdos digitais disponíveis na web para desenvolver habilidades cognitivas e motoras das crianças. Segundo ela, dependendo da intencionalidade pedagógica do professor, os jogos comerciais de entretenimento podem servir como meios para problematizar questões relacionadas ao conteúdo a ser trabalhado, de modo a facilitar a compreensão da realidade pela criança. "Na escola tudo precisa estar interligado, senão não há sentido para ser utilizado. Um jogo de entretenimento pode ser transformado em educativo e pedagógico a partir da ação e da intencionalidade que o educador tem ao escolhê-lo”.

A maneira como a narrativa se constrói nos games, por exemplo, conduz o espectador a interpretar, refletir e tomar decisões durante todo o percurso da leitura, colocando o aluno como sujeito construtor da história que lê. Além disso, elementos intrínsecos ao processo de aprendizagem, como o erro, são ressignificados ao serem transportados para essas plataformas: “No jogo, o erro não é visto como algo tão prejudicial, como algo negativo que desmotiva o jogador. Por exemplo, se você não conseguiu superar uma fase, mas fez 25 pontos, o jogo contabiliza aquilo que o jogador pontuou”, ressalta a pesquisadora da UFSC Daniela Karine Ramos Segundo, coordenadora do projeto Escola do Cérebro – plataforma online que disponibiliza jogos que estimulam o desenvolvimento cognitivo. 

 

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