Novas mídias na sala de aula (2)
Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 14:44:00
Outras formas de registro
Com o acesso aos suportes digitais, a criança tem mais oportunidades de manipular linguagens que antes pareciam “coisa de adulto”. A possibilidade de gravar vídeos e fotografar se amplia com a popularização das câmeras e dos celulares do tipo smartphone, criando opções para os alfabetizadores trabalharem outras linguagens combinadas ao texto escrito. Com alunos de sua turma de 5º ano da Escola Municipal Santos Dumont, em Campo Bom (RS), a professora Simone de Souza utilizou o vídeo para trabalhar a história de João Cândido Felisberto, o “almirante negro”, líder da Revolta da Chibata, de 1910. Em vez de apenas utilizar o recurso para ilustrar o conteúdo, a alfabetizadora propôs que os próprios alunos produzissem um vídeo para narrar a história do marinheiro gaúcho.
Simone utilizou o stop motion (técnica em que o vídeo é produzido a partir de uma sequência de fotos) para a produção audiovisual vencedora do Prêmio Curta Histórias 2014, que valorizou personalidades negras. “Eu comecei mostrando a história de João Cândido a partir de um livro que trata da história do Rio Grande do Sul. Aí eles produziram o cenário, fizeram as dobraduras e os bonequinhos que utilizamos como personagens”, explica a professora, que editou o projeto final reunindo redação e locução do texto de fundo, trilha sonora, fotografia e vídeo.
Para Benedita de Almeida, pesquisadora da Universidade Estadual do Paraná, ao produzir seus próprios programas audiovisuais, os alunos desenvolvem o olhar crítico para esse tipo de produto, conhecem as técnicas de produção e se familiarizam com os diferentes gêneros do meio. “Pode-se fazer gravações com as crianças para que elas entendam a intencionalidade de quem produz a peça. Desse modo, quando ela vir um produto pronto, feito pelo outro, vai saber ler as intencionalidades e pensar nas estratégias de convencimento e subjetivação que a mídia tradicional utiliza”, explica.
Além da construção de uma narrativa em vídeo, Simone aproveitou os celulares de alunos para uma atividade de fotografia relacionada à Matemática. Na primavera, a professora utilizava o recreio para sair com sua turma pelo pátio, fotografando, em grupo, os jardins floridos da escola. “Usamos o recurso para capturar imagens que ressaltassem a noção de simetria, conteúdo que queria trabalhar”, conta. Fotos tiradas, os alunos partiram, então, para o computador: “Projetamos algumas imagens na lousa para todos verem. Então, cada grupo traçava as linhas para mostrar os eixos de simetria das folhas, das flores e dos objetos que haviam fotografado, e depois ainda fizemos uma exposição com suas obras”, completa a professora.
Produzir para o mundo
Em Uarini (AM), a 727 km da capital Manaus, não há cinemas ou emissoras de rádio, e o acesso à internet se restringe a professores de apenas três comunidades do município ribeirinho. Mesmo assim, as novas formas digitais de registro se aliaram à cultura local na experiência “Grãos de ouro nas mãos do agricultor”. Desenvolvido pelo tutor local do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo), Jarbes Torres, e por professores da Escola Municipal Azenilda Braga Lopes, o projeto explorou a tradição da cidade como grande produtora de farinha de mandioca, ao apresentar o processo de fabricação do produto a alunos do 1º ao 5º ano. “Levamos as crianças de ônibus até uma estrada da região e andamos mais 20 minutos numa floresta fechada para chegarmos às plantações da mandioca de Uarini”, conta Jarbes. Lá, alunos e professores – que também eram público visado pelo projeto de inclusão digital – fotografaram, filmaram e entrevistaram agricultores.
O segundo momento do projeto consistiu em aplicar a experiência que tiveram à interdisciplinaridade da sala de aula. “Na Matemática, discutimos o espaço que é necessário ter entre duas plantas e o tempo de cultivo; na Geografia, pensamos em clima e tempo; no Português, trabalhamos o vocabulário de comidas típicas provenientes da mandioca, como a tapioca e o polvilho seco”, explica o tutor. Jarbes produziu e disponibilizou na internet uma apresentação multimídia com os materiais feitos durante o projeto, como forma de valorização do trabalho e divulgação da cultura local, que agora pode ser vista de qualquer lugar do mundo.
Para Carla Coscarelli, esta é outra vantagem das novas mídias: a “produção para o mundo”. Em vez de escreverem textos e produzirem materiais que terão seu acesso restrito ao professor – que lhes atribuirá notas –, as crianças podem publicar seus projetos na internet. Assim, as possibilidades criativas, de interação e de busca por informação se ampliam. “Antes, criávamos um texto para colocar no mural da escola. Fazer um livro era caro, difícil, e tinha que ser em preto e branco. Agora, as crianças podem criar um blog, um site, uma fotonovela, uma revista eletrônica, manter um perfil no Facebook, postar um vídeo. Deixa de ser um texto ‘de mentira’, para o professor dar nota, e passa a ser um produto de verdade, que outras pessoas de outros lugares podem ler e acessar. É muito mais atrativo”, explica a pesquisadora.
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Novas mídias na sala de aula - Parte 1