O aluno com deficiência e sua integração no ambiente escolar

Da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, o aprendizado do aluno com deficiência é resultado do empenho das escolas nos processos de inclusão


     

Letra A • Quinta-feira, 17 de Outubro de 2019, 16:28:00

 
Por Thiago Rodrigues
 
No período da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o processo de adaptação da criança à vida escolar costuma trazer muitos desafios, tanto para o aluno, quanto para os professores e a família, e nem sempre recebe a atenção necessária. “A adaptação dos estudantes novos no ambiente escolar consiste em uma atividade da escola muito importante e que, por diversos fatores da própria rotina escolar, acaba sendo negligenciada por muitos profissionais. O período de adaptação e, principalmente, o acolhimento do estudante que chega ou ingressa em uma instituição escolar deve ser pensado com muito carinho, pois ele pode ser determinante na vida escolar e no desempenho das competências desse estudante”, declara Fabiano Camilozi, professor alfabetizador e vice-diretor da Escola Municipal Professor Cláudio Brandão, em Belo Horizonte (MG), que propõe trabalhar atividades de socialização com seus alunos ao longo de todo o ano.
 
No caso de crianças com deficiência, esse processo inclui ainda mais fatores, como a adoção de métodos que especifiquem as características individuais de cada aluno com deficiência e a construção de um processo mais efetivo de inclusão e acolhimento dessas crianças pela escola.
 
A adaptação para o aluno com deficiência
 
Alunos com deficiência, atualmente, segundo a Sinopse Estatística da Educação Básica, divulgada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2018, representam 2,58% do total de matrículas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, com 929.387 mil matrículas. Esses dados representam um crescimento em relação aos números publicados em 2010 também pelo Inep, que indicavam 592.419 mil matrículas de alunos com deficiência nessas mesmas etapas de ensino.
 
Um dos fatores para esse aumento pode estar na promoção de políticas públicas no Brasil. Adriana Borges, professora de Políticas Públicas de Educação Inclusiva na Faculdade de Educação da UFMG, afirma que a legislação brasileira é uma das melhores quando o assunto é educação inclusiva, pois há inúmeras leis e decretos que visam à garantia da inclusão e socialização de alunos com deficiência nas escolas. Apesar disso, o que não acontece na prática é a garantia desses direitos e o exercício efetivo da inclusão: “se, por um lado, avançamos bastante na garantia ao acesso e à permanência dessas pessoas nas escolas, por outro lado precisamos avançar muito na garantia do direito à aprendizagem. É preciso compreender que os alunos com deficiência estão nas salas de aula para socializar com os outros, pois isso faz parte do processo de escolarização, mas que isso não basta. É necessário garantir o direito à aprendizagem”.
 
A falta de garantia desses direitos é um dos pontos cruciais para as dificuldades em relação aos processos de socialização e das relações que o aluno com deficiência vai desenvolver ao longo dos anos durante a Educação Básica. Em muitas escolas, já é possível perceber a presença de professores de apoio que desenvolvem o trabalho conjuntamente com os professores regulares, visando a um acompanhamento direcionado a crianças com deficiência. Esse cenário, apesar de ter grande relevância nos processos de socialização da criança na escola, não recebe a devida atenção, sendo assim uma das dificuldades existentes no momento da proposição de planejamentos voltados à inclusão. É o que pontua Janine Alves de Sousa, professora de apoio da Escola Estadual São Pedro & São Paulo, de Belo Horizonte (MG), ao explicitar essa situação da educação inclusiva e dos professores de apoio: “a realidade é que várias escolas ainda não recebem o suporte devido e adequado para atender essas crianças com deficiência. Muitos professores têm de se capacitar com cursos voltados para esse público específico para suprir academicamente a defasagem de conhecimento e habilidades necessárias para se trabalhar com a inclusão de forma coerente com a realidade e adequação de cada aluno com deficiência diante da inclusão escolar”.
 
Outro aspecto essencial nessa inclusão é a forma como os livros didáticos e outros materiais de ensino acabam prejudicando o aprendizado e o desempenho do estudante. No caso de alunos surdos, textos escritos não se tornam propositivos quando são utilizados para os processos de alfabetização. Terezinha Rocha, professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da UFMG, afirma que alunos surdos não estão enquadrados em processos e metodologias de ensino e leitura que visem a suas características específicas de aprendizagem, e que isso resulta em um processo de produção de repertório linguístico no qual esses estudantes não são inseridos, priorizando apenas alunos ouvintes. “Às vezes, em sala, na identificação de determinados conceitos, esses estudantes têm acesso ao texto escrito. Mas, quando não são utilizados elementos multimodais, como imagens e língua de sinais, fica muito mais difícil para eles decodificarem o processo de leitura, o que nós, ouvintes e falantes da língua portuguesa, temos” aponta Terezinha.
 
Adriana Borges cita, também, a necessidade de evidenciar as especificidades de cada discente, para além de sua deficiência. Para a pesquisadora, que aborda o Transtorno do Espectro Autista em sua linha de pesquisa, é necessário acompanhamento do educador para compreender as características de cada estudante, visando ao melhor desenvolvimento de um programa pedagógico para que o aluno com deficiência não tenha seu desempenho prejudicado durante essa etapa. “Cada criança é única, tem características únicas e o que funciona com uma criança em um ano pode não funcionar com outra, que tenha o mesmo diagnóstico no ano seguinte. É preciso deixar a criança mostrar o caminho. Todas fazem isso, mas nem todas são compreendidas. De qualquer forma, um professor curioso e motivado vai procurar ler e aprender sobre a condição de deficiência do seu aluno. Esse aprendizado sobre o aluno e sobre sua condição é fundamental para que tudo corra bem.” Esse cenário acentua como as escolas devem priorizar a inclusão em seu planejamento pedagógico, pensando em estratégias que vão além da adaptação de procedimentos já existentes para crianças sem deficiência.
 
Procedimentos e processos
 
O termo adaptação pode criar uma noção de ajustar métodos pensados para alunos sem deficiência para serem empregados a alunos com deficiência. No caso de alunos surdos, Terezinha afirma que “a adaptação é uma questão em que as bibliografias, os estudos e as pesquisas têm mostrado que não tem sido interessante, pois às vezes a gente tem um planejamento, uma avaliação diagnóstica pensando no estudante ouvinte e falante da língua. No caso dos estudantes surdos, a adaptação seria por meio de colocar o intérprete de Libras, por exemplo. Só que, neste momento, a criança ainda não utiliza a Libras”, destaca a pesquisadora, que indica o posicionamento contrário sobre essa adaptação, de movimentos políticos em defesa das pessoas surdas, destacando esse processo como um fator significativo que afeta o desempenho desses alunos.
 
Adriana ressalta a linguagem como a maior dificuldade no aprendizado de um aluno com o Transtorno do Espectro Autista, principalmente em referência à compreensão de um texto escrito: “seria necessário levar em consideração, no ensino da leitura e escrita, estratégias que pudessem auxiliar o aluno com autismo na aquisição tanto da leitura oral, quanto da leitura com compreensão. Já existem programas muito eficientes de ensino de leitura e escrita para alunos com autismo que levam em consideração o perfil desses sujeitos”, diz a pesquisadora, evidenciando a importância de se elaborar planejamentos de ensino que valorizem o aprendizado de alunos com deficiência em sala de aula.
 
Esses processos de inclusão criam uma relação da escola com o aluno. De acordo com Adriana, a relação precisa ser de confiança. “A escola precisa acreditar que pode contribuir no aprendizado da criança, [e] a família precisa estar envolvida”. Para Adriana, esse vínculo é essencial para que o aluno com deficiência possa se sentir mais acolhido, seguro e confiante ao longo do ano no ambiente escolar, contribuindo assim para um bom desempenho escolar.