O direito à diferença e a conhecer outras diferenças

Editorial da edição 47 do jornal Letra A


     

Letra A • Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016, 16:49:00

A produção de conhecimento apresenta-se de forma dinâmica, sujeita a relativizações derivadas de condições históricas, políticas, sociais e econômicas que definem certas agendas de investigação. Além disso, a produção de conhecimento não é uma prerrogativa exclusiva da ciência nem a escola é a única agência responsável pela sua divulgação. Diferentes sujeitos estão investidos dessa condição de produtores de conhecimento pelo simples fato de que somos capazes de construir interpretações do mundo. O conhecimento valorizado pela escola, embora alicerçado em bases científicas, não implica uma negação de conhecimentos prévios partilhados por comunidades não escolares. Assim, uma pedagogia mais contemporânea tenta construir diálogos mais produtivos entre diversos saberes, instituindo práticas de participação que instauram a importância do ato de ler o mundo sob diversas perspectivas.

A natureza dessa participação pode ser dimensionada de forma variada, a considerar os sujeitos envolvidos nos processos educativos e os modos como eles se relacionam com os saberes e uns com os outros. Considerando a família como uma instância educativa que se cruza com a instância escolar, são diferentes as expectativas familiares em relação ao que pode oferecer a escola. Para uma maior compreensão de algumas dessas expectativas, a reportagem da seção Em Destaque dá visibilidade a vários tipos de famílias e sujeitos que acompanham as crianças em seu dia a dia e a diferentes tipos de escolas: de periferia, rurais, urbanas, particulares, públicas. O resultado, conforme previsto pela diversidade de contextos educacionais, revela complementaridade de expectativas, já que repercutem valores sociais compartilhados em esferas mais amplas, mas também anuncia tensões entre os papéis sociais previstos na definição de responsabilidades. Paralelamente a afinidades, aparecem frustrações com uma instituição que idealiza um perfil e pratica violência simbólica, que rejeita a diversidade marcada pela diferença social, pelo ritmo de aprendizado e por outras diferenças. Desse modo, a escolarização tanto pode representar uma possibilidade de acessar conhecimentos socialmente valorizados que favorecem um olhar analítico diversificado, como pode limitar o aprendiz a uma condição de ignorância em função da negação de seus repertórios culturais.

A presença da diversidade nas formas de construção e circulação do conhecimento, assim como a coexistência de diferentes expectativas sobre o processo educacional mostram como a ideologia faz parte das relações sociais, não podendo ser isolada do fenômeno escolar. Para isso teríamos que eliminar os sujeitos, as contradições, as histórias pessoais e institucionais, os conflitos, que constituem a dinâmica da vida social. O direito a esta diferença caminha junto com o direito a conhecer outras diferenças, aspecto que a experiência escolar acrescenta, ao respeitar a cultura familiar e, ao mesmo tempo, alargar o universo de referência dos alunos.

Na entrevista desta edição, a professora Denise Maria Carvalho Lopes situa a fala das crianças, desde bem pequenas, em um processo social de aprendizado da diferença, o que envolve uma projeção do outro social e uma construção de um lugar de escuta tanto para as crianças quanto para os adultos-professores. Nessa dimensão, a fala que brota caudalosa nessas interações não precisa estar subordinada às atividades de escrita. Não é apenas uma indicação conceitual que se apresenta na proposição da entrevistada, mas um conjunto de possibilidades pedagógicas associadas a uma concepção interativa de linguagem que busca a negociação de expectativas.

O direito de conhecer diferentes mundos, sob diferentes perspectivas, caracteriza um ensino participativo porque promove não só a emergência de vozes diversas para interpretar a complexidade do mundo, mas também a construção de repertórios múltiplos que permitem ampliar os conhecimentos em várias áreas. Uma escola que valoriza a participação rejeita o isolamento e tenta estabelecer diálogos entre instâncias que representam diferentes conhecimentos. Em tempos de retrocesso, de posições ultraconservadoras que se apresentam para a escola e para a sociedade, a oportunidade de refletir sobre a diversidade presente no mundo social e o respeito a ela se coloca de maneira mais contundente e emergencial.

Nota da Redação

Em virtude do movimento de ocupação da Faculdade de Educação da UFMG, onde é produzido o jornal Letra A, a publicação terá apenas três edições regulares em 2016, em vez das quatro usualmente publicadas por ano. O Ceale expressa aqui seu apoio ao movimento, por se alinhar com suas principais bandeiras: as lutas contra a PEC 55/241 e contra os projetos de lei relacionados ao movimento Escola sem Partido.