O ensino de etimologia para crianças

Aprender as origens das palavras, suas modificações e transformações pode ser um dos caminhos para estimular e auxiliar o processo de alfabetização das crianças


     

Letra A • Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2023, 14:14:00

por Pedro Eufrosino

Quando somos crianças, é razoável afirmar que todos, ou a maioria de nós, passamos pela fase dos “porquês”, em que tudo é questionado. Contudo, junto dos “porquês” vêm também os “dondês?”, porque se tudo tem uma explicação, essa tem uma origem. Seguindo esse mesmo raciocínio, qual é, então, a origem das palavras? E “donde” vem o português? Pensar nas origens é sempre um caminho importante de trilhar, de conhecer esse aspecto da nossa língua, que Olavo Bilac, poeta parnasiano, chamou tão docemente de “a última flor do Lácio”. Sendo assim, “O Tema É” desta edição vai pensar o ensino da etimologia nas escolas.

 

“Etimo-” o quê?

A palavra ‘etimologia’ vem do grego étumos (real, verdadeiro) e logos (estudo, descrição, relato). Etimologia é a parte da linguística que busca compreender a origem e a história das palavras. Essa ciência carrega o pressuposto da história de que a linguagem, por si só, segue uma trajetória de modificação e, com o passar do tempo, alterações e criações ocorrem.

Gabriel Perissé, Doutor em Filosofia da Educação, Pós-Doutor em Filosofia e História da Educação e um dos coautores da coleção "Árvore da Palavra"¹, afirma que “conhecer essa trajetória nos ajuda a recuperar e a retomar os sentidos daquelas palavras que ficaram, por assim dizer, adormecidas ou escanteadas, e agora podem nos ajudar a pensar melhor, a falar melhor, a escrever melhor. Essa pesquisa etimológica para crianças tem essa função, além de apresentar o que é o vocabulário e expressar o que é linguagem”.

Deonísio da Silva, vice-presidente da Academia Brasileira de Filologia, Doutor em Literatura Brasileira e autor do livro “De onde vêm as palavras”, nos lembra que não é recente a preocupação com a etimologia. Segundo o professor, “os antigos pensavam, como nós também pensamos, que é importante saber de onde vêm as palavras”. Contudo, sendo a língua portuguesa a “última flor do Lácio”, com raízes fincadas no latim, o professor ressalta as demais origens e incorporações advindas do grego, do alemão, do italiano e das línguas indígenas, que hoje compõem o nosso idioma.

“[A] criança vai percebendo que as palavras estão vinculadas, e que trazem sentidos diferentes que vão ajudando ela a entender melhor a sua realidade, o seu dia a dia. Nós somos seres de linguagem, de modo que a linguagem não é só um instrumento, mas é também um lugar onde nós moramos; nós habitamos a linguagem. A linguagem é o veículo vivo das nossas ideias, dos nossos sentimentos. É um lugar onde nós estamos e também por onde e com o qual nós transitamos na vida”, reforça Gabriel Perissé.

 

Alfa + beta = Alfabetização

O ensino da etimologia durante a alfabetização permite que alunos e alunas aumentem o seu vocabulário, fazendo com que percebam que as palavras, que eles já conhecem, estão ligadas a outras palavras. Quando as crianças, por exemplo, notam que determinados vocábulos possuem uma mesma raiz etimológica, elas começam a desdobrar as demais palavras e a perceber que o campo semântico de um termo inclui outros. A expansão da consciência da criança começa, então, a se estender a outros setores da vida, outras realidades, a outros campos de significado.

Na etimologia da palavra alfabetização, temos o alfa, que é a primeira letra do alfabeto grego e depois beta, que é a segunda letra, ou seja, é o ABC. Então, há uma sinergia, uma interação muito grande entre a alfabetização e a etimologia na medida em que a segunda nos ajuda a entender melhor cada palavra e também a concretizá-la no cotidiano e, assim, vamos fazendo relações das palavras com o mundo, com a tecnologia, com o real. Gabriel Perissé ressalta que essa atividade não é apenas para crianças em fase de alfabetização, mas também para “curiosos” da língua que estão aprendendo todos os dias.

O método pedagógico, por excelência, é o método da provocação. Ou seja, é o aspecto lúdico da vida, por isso, falamos dos curiosos. A palavra “curiosidade” vem de um pronome interrogativo latino, cujo significado é: “por quê?”. O curioso é aquele que pergunta: “mas por quê?”. Quando os professores estimulam essa curiosidade, estimulam a criança a fazer perguntas aos outros, a si mesmas. A provocação faz com que a própria criança, o próprio aluno se mobilize a pesquisar, a ir em busca das respostas.

 

Ressalvas e potências

É importante levarmos em conta alguns fatores que impedem que o ensino de etimologia ocorra de forma contundente em sala de aula. Deonísio da Silva destaca dois fatores limitantes. Em primeiro lugar, ele cita o tempo: “nossos alunos ficam pouco tempo na escola e, por vezes, estudam pouco também em casa”. Em segundo lugar, os modos de ensinar. Para o professor, a mudança nos modos de ensino é necessária, segundo ele “é mais importante ler do que memorizar regra. Ler ajuda a fixar a ortografia correta e a assimilar a boa sintaxe, clara, objetiva, concisa e bela”.

Em consonância com o pesquisador, Gabriel Perissé aponta que os professores e as professoras, de um modo geral, possuem um escasso conhecimento da etimologia. A percepção de que a etimologia pode ajudar na alfabetização é que ela pode ser potente no aprendizado do próprio educador(a). Todavia, os problemas na formação inicial e continuada dos professores do Brasil são significativos. Outro fato é a dificuldade de acesso às informações etimológicas. “Nós não temos muitos dicionários que possam nos ajudar, sendo preciso fazer uma pesquisa etimológica profunda, consultando etimologias de outros idiomas, fazendo comparações, fazendo pesquisa interdisciplinar, recorrendo a várias fontes, o que muitas vezes os nossos educadores não possuem tempo para realizar”, afirma o escritor.

Retirar a etimologia do pedestal do “conhecimento exotérico e acadêmico” e que poucos podem acessar é um bom propósito, fazendo com que a alfabetização aconteça em justaposição ao aprendizado das origens das próprias palavras. Ana Paula Lasevicius, Pesquisadora da literatura infantojuvenil e coautora da coleção "Árvore da Palavra", enfatiza que “todo mundo pode brincar com as palavras, todo mundo pode contar histórias, todo mundo pode, inclusive, inventar etimologia. A etimologia não é uma ciência exata e, muitas vezes, as palavras nascem ou, melhor dizendo, as etimologias que são propostas acabam sendo frutos mais da imaginação do que da pesquisa”.

A etimologia é um instrumento de criação e aprendizado. Na literatura, de modo particular, podemos perceber que a brincadeira com as palavras e as suas transformações acontecem com os grandes escritores e escritoras, sendo algo estimulante para todas as crianças e adultos. A junção entre essa parte da linguística e as aulas de língua portuguesa ainda é incomum. Contudo, os autores e as autoras com quem conversamos concordam na potencialidade desse ensino nas fases de alfabetização e, para além delas, nos ensinos fundamental, médio e superior.

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¹A série A Árvore da Palavra – Etimologia para crianças e curiosos – apresenta histórias inventadas e verdadeiras, repletas de humor e brincadeiras, sobre palavras que começam com as letras do nosso alfabeto, incluindo as curiosas letras K, W e Y.