O momento de consolidar - parte 2


     

Letra A • Segunda-feira, 05 de Fevereiro de 2018, 14:49:00

Por J. Pedro de Carvalho

Desenvolvimento coletivo: escola e professores

Sobre o processo compartilhado de construção do currículo, como ocorrido em Lagoa Santa, Jefferson Mainardes afirma serem raros os casos; o comum é que seja “de cima para baixo, como se costuma dizer”. Ele lamenta: “Geralmente, as políticas de ciclos são implementadas com pouco espaço de participação de professores e demais profissionais que atuam na escola”. A carência de suporte pela Secretaria ou escola é vista como sério impedimento para o trabalho do professor, que recebe novas metas e instrumentos sem ser devidamente preparado para lidar com tantas novidades, como relata Jefferson: “Em muitos casos, os professores sentem-se solitários e sem apoio para desenvolverem o seu trabalho. Outras vezes, são culpabilizados pelo insucesso, sem que o contexto no qual atuam seja levado em consideração”. Para Antônio Augusto Batista, do Cenpec, a boa formação do professor envolve um desenvolvimento de capacidades, conhecimentos e saberes que estão ligados à prática: “A formação dos professores deve garantir duas coisas ao mesmo tempo”, diz ele: “um conhecimento teórico sobre aquilo que se ensina e a didatização desse conhecimento teórico”.

A implementação

Implementar a política de ciclos envolve, de acordo com Jefferson Mainardes, “mudanças no sistema de promoção dos alunos, avaliação da aprendizagem, currículo, pedagogia, organização da escola e formação permanente de professores”. Tal prática transparece sua complexidade e, com ela, vêm os desafios: “Em muitas redes de ensino, a formação dos docentes é ofertada na fase inicial da implantação e, posteriormente, há pouco apoio ao professor”.

“Como melhorar?”, pergunta Jefferson. Para ele, é necessário atentar a alguns pontos para corrigir as lacunas durante o momento de transição, dentre eles:

•             Pensar a aprendizagem como processo contínuo;

•             Desenvolver avaliações formativas;                

•             Utilizar metodologias adequadas, tais como: ensino explícito, práticas sistemáticas e diagnóstico.

Em Rio Grande, a adoção de uma nova estrutura curricular para o segundo ciclo sinalizou de imediato a necessidade de fortalecer o diálogo entre escolas e Secretaria, como relata Felipe dos Santos: “No início [da reestruturação do segundo ciclo no município], houve muito estranhamento e nós notamos que as escolas apresentavam sempre a demanda de ‘querer fazer formação’, mas não sabiam o que fazer de formação ou como fazer a formação para resolver os próprios problemas”. Foi a partir desse incômodo que o município realizou, em 2013, “um balanço do saber docente para o 4º e 5º ano”. “Foi o primeiro movimento. A partir do que foi colocado nas dinâmicas desse encontro, nós criamos um planejamento formativo para aquele grupo durante o ano.” O modelo que passou a ser desenvolvido, adotado até hoje, estimula cada instituição a desenvolver seu Plano de Ação para a formação e valoriza “a escola como local formativo dos professores”, conclui Felipe.

Escola como local formativo

Em cada escola, pensando-se o conjunto de professores, há questões comuns que são frequentemente postas como demanda para as formações, como as avaliações e a educação inclusiva, aponta Juliane Alves. “São temáticas que geralmente perpassam todo o grupo docente e são feitas de forma coletiva.” Paralelamente, há também as demandas específicas por ano ou ciclo. “O ciclo da alfabetização sente a necessidade de discutir sobre os níveis da escrita ou sobre o processo de avaliação. O 4º e o 5º ano sentem a necessidade de pensar sobre a interdisciplinaridade, sobre as crianças que chegam mal alfabetizadas ou sobre os processos da leitura e da escrita”. A partir da identificação, a formação será não só o espaço para encontrar problemas afins, mas também o lugar para pensar soluções em conjunto.

Também preocupada com as necessidades do professor que recebe o aluno no 4º ano, a Secretaria de Educação de Goiânia oferta uma formação focada na passagem de um ciclo a outro: “Temos um curso muito específico para garantir a transição do primeiro ciclo para o segundo, que é um curso de avaliação da aprendizagem, para trabalhar os instrumentos avaliativos e concepções de avaliação. Funciona para que tenhamos a certeza de que a transição do primeiro ciclo – que tem uma avaliação mais subjetiva – para o segundo e terceiro ciclos – que têm uma avaliação mais objetiva – seja suave, e que os instrumentos utilizados em quaisquer dos ciclos sejam os mais adequados para aquele ciclo e para aquele momento da formação do nosso aluno”.

Transição

No primeiro ciclo, comparativamente, são mais comuns as avaliações qualitativas e individualizadas, abrangendo muitos elementos do desenvolvimento dos alunos, professores unidocentes, o menor número de disciplinas e a reprovação prevista apenas ao final do 3º ano do Fundamental I. Dependendo da rede, os critérios para o segundo ciclo se alteram e é necessário refletir sobre a forma como é feita a transição entre os anos.

 

Como avaliar - e o que fazer com os resultados

“Se a escola não faz provas avaliativas no 3º ano, por que está fazendo no 4º?”, indaga Felipe dos Santos. Para o superintendente de supervisão pedagógica de Rio Grande, a passagem de um ano a outro significará novos objetivos de aprendizagem, “mas a avaliação educativa não precisa, necessariamente, ser alterada de forma drástica”.

No município de Eusébio (CE), o mesmo modelo avaliativo é utilizado do 1º ao 5º ano: os alunos realizam um teste mensal, no qual a professora orienta a leitura de um texto e conversa a respeito dele individualmente com o aluno, de modo a verificar sua fluência e interpretação e, a partir disso, criar uma devolutiva mensal. “O que a gente espera, falando em leitura e escrita, é que a criança, para fazer bem o 4º ano, necessita ter leitura fluente, interpretação textual e escrita ortográfica”, conta Acilegna de França, coordenadora pedagógica da Escola Municipal Oscar Feitosa de Paiva. “Se não tem esses requisitos, [a gente] reforça”, diz ela, referindo-se às aulas em tempo integral, ao reforço e à recuperação, de modo a garantir o domínio das habilidades referentes ao início do segundo ciclo.

A avaliação, inclusive, é um dos pontos mais sensíveis do sistema por ciclos, já que, muitas vezes, pensando essa organização não-seriada, exclui-se a ideia de reprovação, causando a controversa noção de que o aluno possa estar “passando direto pelo Ensino Fundamental”, sem ter o seu conhecimento aferido. Contra isso, Antônio Augusto Batista afirma que a repetição é danosa para o sistema escolar e para as crianças: “a sociedade e os próprios professores e, muitas vezes, os próprios alunos e os pais têm a forte crença de que a reprovação é positiva. O que é necessário é antecipar para que o aluno aprenda, não para que ele seja reprovado. Daí a importância de um tipo de avaliação diagnóstica ou formativa”.

Reprovação

No ciclo, de forma geral, as avaliações reprobatórias ocorrem ao final do grupo de anos, e não ao término de cada ano. Para Antônio Batista, “a sociedade, os professores e, muitas vezes, os próprios alunos e pais têm a forte crença de que a reprovação é positiva”. Entretanto, segundo ele, a reprovação é um vício do sistema educativo e “repetir de ano tem sempre efeitos negativos e não gera mais aprendizado”.

“Os ciclos”, diz Marcelo da Costa, “por serem uma proposta avançada pedagogicamente, precisam adotar critérios de avaliação muito precisos”. Em Goiânia, a avaliação no segundo ciclo passou a se relacionar com descritores da Prova Brasil para que, segundo o secretário de educação, “possamos verificar o alcance dos objetivos por parte dos alunos, comparando isso com o planejamento da própria escola e com a avaliação externa”. A proposta, segundo Marcelo, é que, por meio de uma devolutiva dos resultados aos professores, eles possam, se necessário, reconsiderar seu planejamento e suas práticas. “[A política de ciclos] é um processo que, se bem conduzido, garante uma flexibilidade curricular, compatível com o século em que estamos vivendo, mas que tem que ser acompanhado de maneira muito criteriosa, no sentido do avanço do aluno e, principalmente, da atuação do coletivo de professores”.

 

Disciplinas ou unidocência?

Em Novo Progresso (PA), Beatriz Coelho é a professora responsável por todas as disciplinas da turma de 5º ano da Escola Municipal Doutor Cléo Bernardo, acompanhando os alunos durante toda a semana. Porém, antes de a escola adotar o modelo de unidocência, a situação era distinta: “Eu praticamente ministrava minhas aulas até a quarta-feira e, com isso, retornava só na semana seguinte. O espaço de tempo entre as aulas dificultava a sequência do trabalho”, diz Beatriz. “Agora, a organização do plano de trabalho é feita semanalmente, por disciplina, pensando nas atividades para uma quinzena”. A Escola Municipal Doutor Cléo Bernardo saltou 1,8 ponto no Ideb de 2013 a 2015, e, segundo Laurete Lourdes Bertol, a diretora, a adoção da unidocência é o principal fator responsável por isso.

Unidocência

Nem todas as salas de aula seguem a divisão por disciplinas e, em muitas, ocorre a opção pela unidocência, ou seja, com um único professor responsável por todo o conteúdo. Em alguns casos, como em Lagoa Santa, no segundo ciclo a turma já passa a ser dividida com outros docentes: “Nós não trabalhamos por disciplina na escola. Nós nos dividimos entre dois regentes e um terceiro de educação física, para os meninos terem a ideia da troca de professores que vão experienciar no 6º ano”, diz a professora Janair Cassiano.

“O professor trabalhava uma atividade e só retornava a ela uma semana depois. Não havia uma sequência até implantarmos, por conta própria, a unidocência, em 2013”, diz Laurete, que explica que a decisão da escola foi autônoma em relação à rede. Antes da mudança, o resultado da escola no Ideb havia sido de queda de 0,4 ponto, entre 2011 e 2013. “Precisávamos de uma maneira diferente de trabalhar”, a diretora relata: “e a primeira ação foi colocar um único professor na turma, porque, até então, não havia uma sequência. O professor único nas turmas de 3º, 4º e 5º ano fez com que o resultado mudasse radicalmente, porque eu, sozinha, percebo se eu preciso avançar mais em certa disciplina, de acordo com as dificuldades dos meus alunos.”

Em Rio Grande, segundo Juliane Alves, há uma aposta da rede na unidocência para todo o Ensino Fundamental I. “No nosso entendimento, o professor-pedagogo, que é habilitado do 1º ao 5º ano, tem a capacidade de trabalhar desenvolvendo todos os diferentes componentes curriculares”, afirma Juliane Alves. Sobre isso, ela ainda complementa que cabe a cada escola tomar a decisão de ter professores polivalentes ou não: “Ele contribui para a interdisciplinaridade, porque, sendo um professor só, ele pode ter mais possibilidades de fazer trânsito entre as áreas. Por isso a gente deixa a escola, em seu entendimento, enxergar isso em seu cotidiano.”

Em Goiânia, que já inicia uma divisão de disciplinas no meio do segundo ciclo, seguindo uma política de transição, a mudança no quadro docente é gradual: “O 4º ano ainda segue uma característica muito parecida com o 1º ciclo. [No 5º ano] já há a introdução de novas disciplinas e a gente começa a diminuir o número de pedagogos presentes no ciclo e a aumentar os professores de área”, diz o secretário municipal de educação, Marcelo da Costa.

Parte 1 - Especial 4º e 5º: o momento de consolidar

Parte 3 - A leitura no segundo ciclo

Parte 4 - A criança e o mundo