O problema como solução
Como os desafios propostos nos problemas matemáticos podem guiar os alunos na aprendizagem
Letra A • Quinta-feira, 13 de Agosto de 2015, 14:47:00
Por Manuela Peixoto
“Quantas bolinhas de gude Felipe tem no total?”; “some o número de carros no estacionamento”; “juntas, Isabela e Mariana têm quantos pares de sapato?”. Ao se deparar com essas palavrinhas, muito frequentes nos enunciados de problemas matemáticos, o aluno muitas vezes já sabe que terá que utilizar a “conta” de adição. A estratégia está baseada em uma concepção do ensino da Matemática em que resolver problema remete a aplicar uma técnica, um procedimento previamente ensinado pelo professor. Mas só esse conhecimento não é suficiente. Em vez de propor uma atitude crítica, o problema se torna apenas um exercício de repetição. Para a formadora do Pnaic na UFMG Valéria Castro, o problema em Matemática deve ter uma perspectiva de ensino que considere o aluno como protagonista de sua aprendizagem: “Isso significa que o problema é uma situação na qual não se tem uma resposta única e imediata, mas que, ao se deparar com ele, o aluno coloca em ação aquilo que sabe para encontrar uma resolução. É um desafio, um obstáculo a ser superado. A forma como o aluno vai organizando o conhecimento é particular e única; é uma maneira própria de entender, interpretar e representar o conhecimento”, comenta.
O professor deve ser capaz de planejar situações didáticas e intencionais que façam sentido para a criança, incentivando-a a investigar, pensar, criar e aprender com os seus colegas. Dessa forma, adquirem novos saberes – fruto de um esforço pessoal – e não apenas resolvem um problema para mostrar o resultado para o professor. Ainda segundo Valéria, o problema deve sempre levar em consideração as experiências e os conhecimentos anteriores do aluno. “Desconsiderar isso é promover uma distância entre os conhecimentos que se ensinam na escola e as práticas que se exercem fora dela”, afirma.
Curiosas pela realidade
Desde muito pequenas, as crianças já são inseridas em um mundo matemático. Elas lidam com esses saberes quando contam sua idade, reconhecem o número de suas casas, trocam grandes quantidades de figurinhas com seus colegas, usam dinheiro para comprar coisas... Por isso, os problemas precisam seguir uma linha compatível com suas realidades. A formadora do Pnaic Vera Baumfeld cita algumas atividades atrativas e desafiadoras que podem ser praticadas pelos alunos em sala de aula. “Fazer uma maquete da própria sala de aula, por exemplo, implica uma série de conhecimentos que o aluno vai precisar aplicar para chegar ao resultado: medidas, escalas, estimativas, noção espacial”. Vera ainda sugere outra prática simples e saborosa: a salada de frutas. “Levá-los à feira, fazer com que pensem na quantidade de frutas que precisam para uma quantidade determinada de pessoas. Umas frutas se compram por peso, outras por unidade. Desde a escolha até cortar os alimentos, tudo isso mostra proporção”, destaca Vera. Para ela, resolver problemas em grupo torna a atividade mais interessante e é assim que a criança aprende.
No dia a dia, sem perceber, convivemos com saberes matemáticos. O troco da padaria, a quantidade de gasolina que se coloca no carro para chegar ao destino, o tempo do trajeto, a altura de uma cerca, a quantidade de ração a ser colocada para o cachorro: tudo isso envolve saberes matemáticos. O grande desafio consiste em desmitificar a Matemática e torná-la mais acessível, de acordo com a realidade.
A leitura da Matemática
Para muitas pessoas, inclusive educadores e alunos, a ideia de ensinar a leitura é uma atividade exclusiva da disciplina Língua Portuguesa. E isso pode se tornar um dificultador para que a criança compreenda o que está sendo proposto nos problemas matemáticos. A linguagem matemática tem seus códigos, símbolos e significados que merecem a atenção dos professores. Cabe a ele propor situações em que a leitura seja conjunta às questões matemáticas, como momentos de leitura compartilhada, discussões sobre os termos utilizados nos enunciados e interpretação da linguagem. Para a professora Valéria Castro, também é interessante propor que os alunos escrevam um relatório de registro de suas experiências matemáticas para que comuniquem o percurso que fizeram para chegar a uma conclusão. “Isso contribui para organizar as ideias, construir argumentos para justificar as escolhas e as hipóteses elaboradas, e ajuda a desenvolver as habilidades de leitura e escrita”, conclui.
A resolução de problemas exige do estudante a mobilização de diversas linguagens. Denília Santos, orientadora de estudos do Pnaic, acredita que os processos pedagógicos e as estratégias de ensino devem ser contemplados em situações significativas paras as crianças. “Todo o trabalho de alfabetização matemática deve oferecer condições e recursos não apenas para responder às curiosidades, interesses e necessidades das crianças, mas também para suscitar novas curiosidades, necessidades e interesses. O que será trabalhado deverá contribuir para a continuidade da aprendizagem”, defende Denília.