O professor diante das mudanças sociais e educacionais
Como seu papel é entendido atualmente em diferentes países
Letra A • Sexta-feira, 13 de Julho de 2018, 12:54:00
De tantas semelhanças e diferenças entre os sistemas educacionais pelo mundo, uma característica parece se destacar em todos os países retratados na reportagem do Em Destaque: a centralidade do professor no processo educativo. Na Finlândia, um dos raros países do mundo a exigir mestrado para todos os docentes da educação básica, os professores participam nas mudanças das políticas educacionais: “Os professores são profissionais e também reformadores da educação”, resume Marja-Kristiina Lerkkanen. Por outro lado, em outras localidades, como na Nigéria, o cenário de desvalorização da profissão docente é fortemente vinculado à crise do sistema escolar.
Na China, relata Sha Tao, é grande a mudança do papel do professor nas últimas décadas. A formação de caráter costumava ser uma grande preocupação do sistema escolar chinês, sendo o professor responsável por forte monitoramento e disciplina severa, além de estreito contato com as famílias dos estudantes, até realizando visitas regulares a suas casas. “Com o rápido desenvolvimento econômico e a rápida mudança no estilo de vida (por exemplo, mais necessidade de privacidade), é cada vez mais difícil para os professores visitar a casa do aluno ou pedir aos pais que visitem a escola regularmente.” Tao tem uma visão positiva desse rearranjo: “Tal mudança pode ajudar a sociedade chinesa a estabelecer uma relação mais justa e realista entre a escola e a casa, entre o professor e os pais, no que diz respeito ao compartilhamento de responsabilidades na promoção do crescimento dos alunos”, afirma.
Outro fenômeno que vem transformando o papel do professor é a força crescente da cultura digital nas práticas sociais, dentro e fora da escola. Para o angolano António Barros, o cenário educacional “com as novas tecnologias, o tipo de aluno que temos hoje e que aprende de diferentes formas, requer uma outra forma de entender o processo formativo e exige do professor uma outra mentalidade, um acompanhamento diferente, uma atualização mais dinâmica e ativa”.
Reconfigurações no ensino
O professor é, muitas vezes, o primeiro a sentir os efeitos de mudanças nos sistemas educacionais. No caso de Portugal, Rómina Laranjeira acredita que, com a recente reforma que organiza o ensino em torno de metas curriculares, a profissão assumiu “uma carga burocrática excessiva, com menos preocupação com uma formação humanitária dos alunos, com uma cidadania crítica, o que se cruza também com as questões do letramento dos alunos e do próprio professor”.
A peruana Virginia Zavala comenta como a formação docente, em seu país, é fortemente pautada por questões metodólogicas, “mas sem reflexão sobre essas questões e sobre por que a metodologia muda”. Sem uma formação para uma perspectiva crítica em temas da educação, de letramento, de diversidade, de disputas de poder, os professores peruanos se veem perdidos a cada mudança de paradigma metodológico, especialmente as impulsionadas por trocas de governo e de quadros do Ministério da Educação. “Muitas pessoas repetem termos metodológicos como ‘aprendizagem significativa’, ‘construção de conhecimentos’, e então muda-se a metodologia e muitos professores ficam confusos, porque tudo aquilo que eles aprenderam e sabiam mudou.”
Mas há também uma cultura da profissão docente que muitas vezes resiste às propostas oficiais. É o que indica Celia Argüero-Cruz, ao apresentar um cenário atual do México do ponto de vista dos métodos de alfabetização. “Nos programas educativos publicados em 2011, bem como no Novo Modelo Educativo, incorporam-se as contribuições tanto da psicogênese da linguagem escrita quanto da pesquisa em didática que deriva dessa perspectiva teórica”, relata. “O objetivo não é mais ‘alfabetizar’ as crianças, mas ‘incorporá-las à cultura escrita’, como Delia Lerner diria”, Celia resume. No entanto, as opções dos professores nem sempre são condizentes com o que prescrevem os documentos oficiais: “Os métodos fonéticos têm raízes especiais entre eles [professores mexicanos]. A crença de que ensinar letras é equivalente a ensinar a linguagem escrita tem sido uma das principais causas do fraco desempenho leitor e escritor de uma parte importante da população mexicana.”
O pesquisador da Universidade Paris 8 Leandro de Lajonquière – que, além da França, tem atuação como pesquisador no Brasil e na Argentina – afirma que, no país europeu, o imaginário pedagógico não está focado na ideia de que o sucesso escolar depende do uso de um método considerado mais ou menos científico: “A experiência escolar é sem garantias; ela depende do encontro entre um professor e uma criança interpelada a trabalhar como aluno na cena escolar. As vicissitudes desse encontro não estão escritas de antemão; cada um dos personagens aporta o seu”. Por fim, ele aponta para a centralidade do professor nesse encontro: “Ao professor, pelo simples fato de ser já um adulto, cabe a implicação ética da condução do processo de escolarização da criança.”