O que podemos aprender com a educação escolar indígena?
Jaqueline Barbosa da Silva, da UFPE, e Ana Maria Rabelo Gomes, da UFMG, respondem a questão
Letra A • Quinta-feira, 10 de Dezembro de 2015, 14:09:00
Jaqueline Barbosa da Silva – professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde coordena a área de Ciências Humanas e Sociais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid Diversidade)
Pensar a escola a partir de conceitos e práticas da educação escolar indígena é romper com a unicidade do conhecimento universal; impõe aproximar-se do processo de construção da interculturalidade crítica. Eis alguns conceitos indispensáveis à perspectiva intercultural: diálogo, autonomia, diferença colonial, ancestralidade e plurilinguismo. Para que esses conceitos sejam suscitados no âmbito escolar, é necessária a horizontalidade entre os conhecimentos formalizados e conhecimentos outros, evidenciando a história silenciada dos povos indígenas.
As práticas educativas vivenciadas no Pibid Diversidade, em Pernambuco, estabelecem a interrelação da vida das comunidades indígenas com a construção do conhecimento dentro e fora dos espaços escolares. As formas de ser, de viver, de conviver e de conhecer dialogam com a ciência moderna e com o conhecimento ancestral. O fazer pedagógico se fortalece pela relação com os valiosos conhecimentos e sabedorias latentes de seus rituais e com a mãe terra e, ainda, pelo respeito mútuo e pela união entre todos.
O cotidiano indígena traduz-se em conhecimentos no âmbito escolar, priorizando a participação em diferentes espaços da comunidade, tais como: nos movimentos e retomadas, nos rituais, nos espaços de exibição e confecção da arte, nas atividades culturais e na vida da comunidade. Os projetos educacionais também se voltam à compreensão da conjuntura nacional, regional e local das questões sociopolíticas e territoriais dos povos indígenas, referentes aos direitos indígenas e à luta do movimento.
Esse conjunto de ações contribui para a autonomia coletiva, tanto na construção do conhecimento, como no fortalecimento da identidade étnica. Esta é evidenciada em ações conjuntas e paritárias que trazem à tona: o trabalho com jogos, brincadeiras e cantigas de antigamente; a cultura material e simbólica; a medicina tradicional; o ler e escrever as histórias e as experiências dos mais velhos; a arte e a identidade étnica; a educação inclusiva na perspectiva da diferença; o reciclar, reforçando a conscientização ambiental. Tais práticas desafiam a postura do professor, que se soma ao perfil de pesquisador que investiga, busca, media e contribui para a formação de estudantes autônomos, produtores de conhecimentos e protagonistas de sua história.
Ana Maria Rabelo Gomes – Professora da Faculdade de Educação da UFMG, onde leciona no curso de graduação em Formação Intercultural de Educadores Indígenas (FIEI)
Falar das escolas indígenas, considerando conceitos e práticas, nos leva aos anos 1990, quando foi discutida a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), publicada em 1996. No texto, a proposta da educação escolar indígena é definida como: específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue. Já nos Referenciais Curriculares Nacionais para Escolas Indígenas de 1998, a escola indígena é apresentada como comunitária, acrescentando uma quinta característica à educação escolar indígena.
Essas características se relacionam com as práticas das escolas indígenas de duas formas: primeiro porque as experiências anteriores, realizadas nas décadas de 1970 e 1980, serviram de referência para a elaboração da lei. Aqui já temos uma primeira indicação interessante: o texto normativo deve ser construído como uma resultante das experiências de sucesso, pois, desse modo, ele vem assentado sobre uma miríade de possibilidades que as práticas concretas já revelaram.
Em momento seguinte, uma vez promulgada, a LDB fez com que as práticas nas escolas indígenas já existentes fossem influenciadas e orientadas por essas referências, assim como ocorreu em outras escolas, que foram criadas tendo em vista essa formulação. Como, no entanto, uma das orientações é o atendimento às especificidades – dos povos indígenas em relação à educação nacional; de cada povo indígena em relação aos demais; e de cada comunidade em relação a unidades maiores – o texto legal dá abertura para que se possam realizar projetos os mais variados. A escola indígena não tem somente uma, mas muitas formas de se desdobrar em práticas pedagógicas, a depender da história e da situação sociolinguística de cada povo, e da maneira como cada um se relaciona com o universo escolar.
Nessa direção, têm sido desenvolvidas as mais diferentes experiências, muitas das quais se defrontam com a necessidade de os professores indígenas serem os autores dos materiais e metodologias que utilizam. Essa possibilidade do professor como autor – que significou desenvolver a “autoria indígena” – é uma das práticas mais significativas que encontramos nas escolas indígenas por todo o Brasil.
Poderíamos, então, começar a falar das práticas específicas das escolas pataxó, maxakali, xakriabá, as muitas escolas guarani, wayãpi, ye’kuana, yanomami, kaingang... Cada escola tem uma marca diferente, embora todas elas se deparem com a necessidade de desenvolver um profundo diálogo com a comunidade que atendem e da qual fazem parte.