O trabalho com a consciência fonológica pode se tornar um método fônico?
Troca de Ideias | Letra A 56
Letra A • Terça-feira, 25 de Outubro de 2022, 18:19:00
Ana Paula Rigatti Scherer – Fonoaudióloga. Doutora em Letras pela PUCRS. Professora da Faculdade de Odontologia da UFRGS
Para responder essa pergunta é necessário compreender o que é consciência fonológica para, dessa forma, diferenciá-la do método fônico.
A consciência fonológica é uma habilidade cognitiva que permite refletir sobre os segmentos sonoros que formam as palavras da nossa língua. Essa reflexão é necessária pois a criança em processo de alfabetização chega a escola trazendo sua linguagem (quase totalmente adquirida), porém precisa tomá-la como objeto de conhecimento para compreender o sistema alfabético de escrita. Nesse caminho, desenvolver a consciência fonológica torna-se fundamental.
A consciência fonológica é formada por níveis, isto é, não leva em conta somente o fonema. Essa habilidade permite segmentar e manipular a palavra em sílabas, rimas e fonemas e pode ser desenvolvida de forma lúdica por meio de brincadeiras, jogos, canções e poesias.
No método fônico, há um roteiro programado de ensino, no qual leva em conta puramente a relação grafema-fonema, isto é, a relação das letras com seus “sons”. Se esse roteiro prevê uma ordem de apresentação dos sons/letras, iniciando pelas vogais, consoantes de representação simples, após representação complexa, a construção de frases e textos aparece conforme os sons das letras são aprendidos. Se comparado à consciência fonológica, o método fônico detém-se somente no nível do fonema e não avança na reflexão dos outros níveis fonológicos.
O trabalho com a consciência fonológica não pode se tornar um método fônico, pois nesse caso deixaria de ser consciência fonológica; deixaria de ser uma habilidade cognitiva para se tornar um método, que em sua essência não prevê uma reflexão da linguagem.
Inclusive, é possível desenvolver a consciência fonológica em um ambiente de letramento, onde os diversos gêneros textuais circulam e podem ser explorados em sua essência literária e como instrumento de reflexão linguística.
Por último é necessário deixar claro que a consciência fonológica deve ser objetivo a ser desenvolvido na alfabetização, enquanto que o método fônico é apenas um meio, uma forma de alfabetizar, que não leva em conta a totalidade da linguagem e os meios pelas quais ela se manifesta.
Isabel Cristina Alves da Silva Frade – Professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do Ceale
O modo como a consciência fonológica é trabalhada é que vai determinar se estamos voltando a uma abordagem dos métodos fônicos que focalizavam sons isolados ou se estamos avançando nas estratégias de meta-análise sobre o funcionamento da escrita na relação entre sons e letras.
A história dos métodos fônicos mostra que houve várias tentativas de aproximar a letra de sua realidade sonora. Houve métodos que isolaram fonemas, outros que os associaram a gestos que lembravam formas de articulação ou formas, outros usaram onomatopeias para dar algum significado à emissão e houve até métodos fônicos que analisaram os fonemas no contexto da palavra como em V....AI. O que soa antes do ai?, estratégia usada na Cartilha Nacional publicada ao final do século XIX, no Brasil.
O treino de fonemas isolados na forma emissão oral, retomado em alguns discursos atuais, é conceitualmente problemático, uma vez que as teorias linguísticas mostram que é impossível pronunciar os fonemas consonantais fora do contexto das sílabas. Ademais, é um equívoco defender que o treino repetitivo e a pronúncia de fonemas isolados são pré-requisito, pois vários métodos de alfabetização não utilizaram essas estratégias e os iniciantes conseguiram aprender a ler e a escrever.
Com mais de um século de tentativas metodológicas, uma certeza que temos hoje é a de que uma abordagem fônica na alfabetização deve considerar o papel da consciência fonológica – conhecimento sobre aspectos sonoros da língua – para segmentar frases em palavras, palavras em sílabas, identificar rimas, aliterações e assonâncias, justamente para analisar o que acontece na relação entre o oral e o escrito, com a avaliação da sonoridade das palavras quando os fonemas estão em determinada posição em palavras escritas. Aí temos uma lógica para um tipo de abordagem fônica que podemos defender: a de que essa abordagem deve ocorrer sempre no contexto de análise de palavras faladas e de sua representação na escrita.
Se o trabalho com a consciência fonológica tem se centrado na “emissão” artificial de fonemas e seu treino oral tem sido considerado um pré-requisito para aprender a ler, certamente este tipo de trabalho pode ser um retorno a um método fônico limitado. Se a consciência fonológica tem sido pensada como um fator que ajuda na análise metalinguística – para a leitura e escrita de palavras – estamos dando um passo à frente fundamentando o processo de alfabetização em ações reflexivas que favoreçam que o aprendiz entenda o funcionamento do sistema de escrita.