O uso de tecnologias assistivas na educação

Os recursos assistivos são muito variados e extremamente necessários para a inclusão na educação de crianças com deficiência


     

Letra A • Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2023, 14:25:00

Por Luiza Rocha

Crianças com deficiência, principalmente aquelas que apresentam comprometimentos mais sérios, podem necessitar de ferramentas diferenciadas que auxiliem ou até mesmo tornem possível o aprendizado. Essas ferramentas são as tecnologias assistivas.

As tecnologias assistivas são comumente confundidas com tecnologias digitais, mas as duas não representam a mesma coisa. A primeira é uma área de conhecimento interdisciplinar que “engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias e serviços para promover a autonomia e a independência das pessoas, principalmente pessoas com deficiência ou incapacidades e mobilidade reduzida”, como explica a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jáima Pinheiro. Uma tecnologia assistiva não precisa, necessariamente, ser digital. Um alfabeto móvel, uma lupa de aumento, ou até mesmo um lápis mais grosso são recursos utilizados para auxiliar no aprendizado de crianças com deficiência, chamados de “recursos de baixa tecnologia”, enquanto softwares de leitura, por exemplo, ou aplicativos e outras ferramentas digitais são classificados como de “alta tecnologia”. Ambos os tipos são de grande importância nas escolas. A escolha de qual será utilizado vai depender da necessidade de cada indivíduo.

Para auxiliar os professores a identificar e produzir os materiais que podem ser necessários ao aprendizado de uma criança com deficiência, existe o Atendimento Educacional Especializado, ou AEE. Por definição do Ministério da Educação, “o AEE tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.” Virginia Andrade, professora aposentada da Rede Municipal de Belo Horizonte e que atualmente trabalha no AEE, esclarece que a atuação do atendimento especializado se dá na interlocução com o professor da sala de aula comum: a partir da demanda de determinado aluno, o docente comunica à direção da escola, que encaminha o caso para o AEE, onde será avaliada a necessidade de intervenção direta. “Muitas vezes o estudante é encaminhado, mas, na avaliação do serviço, a gente percebe que não tem a necessidade de estar trabalhando com esse estudante na sala do AEE. Às vezes é só uma orientação meio rápida para o professor para que ele entenda que o olhar é para o sujeito, não é para a deficiência; que esse sujeito não demanda nenhum recurso diferente daquilo que é oferecido na escola”, completa Virginia.

Sobre as tecnologias assistivas, Virginia explica que elas se adequam à criança e não a uma deficiência específica. “É lógico que a gente parte daquilo que foi construído pensando na deficiência, mas às vezes a gente pode utilizar um DOSVOX, que é um software destinado a pessoas com cegueira, baixa visão, com uma criança com diagnóstico de deficiência intelectual, por exemplo”. A escolha do material é feita após avaliação e testes com os estudantes, levando em conta, também, os recursos disponíveis em cada caso, e, após esse processo, a escola recebe um retorno em que os professores são orientados sobre como utilizar as ferramentas.

As tecnologias assistivas na alfabetização

Jáima Pinheiro (UFMG) destaca que é importante ter em mente que, quando falamos de alfabetização de crianças com deficiência, por exemplo, não estamos falando de algo completamente diferente do processo de alfabetização de qualquer criança. A distinção se dá na forma como o conteúdo será apresentado, já que alguns públicos necessitam de recursos diferenciados para conseguir acessar o que está sendo ensinado. “Vamos pensar, por exemplo, nas crianças que não falam ou que não se comunicam por meio da fala por causa da condição de deficiência delas ou por outros motivos. Se eu não tiver um recurso que ajude no processo de aquisição de linguagem e, consequentemente, dessa comunicação, esse processo de alfabetização dificilmente vai acontecer, porque ele está muito vinculado a essa aquisição de linguagem e comunicação, é claro.”, explicita a professora. Ela reforça, também, que é preciso uma análise diferenciada na entrada de informações para alunos que usam um sistema de comunicação alternativa. “A gente está acostumada com essa base do sistema alfabético, mas e uma criança que não fala? Então, a base de tudo pra ela, da comunicação, vai ser por imagem, por símbolo”, completa.

Essa importância da associação entre palavra e imagem também é apontada pela professora Raquel Rocha, vice-diretora na Rede Municipal de Belo Horizonte e ex-professora do AEE. Ela explica, por exemplo, que um recurso muito utilizado são alguns objetos pequenos que representam uma versão maior deles, que ela chama de “reálias”. “Então, por exemplo, uma mini garrafa. E a [palavra] garrafa começa com a letra G. Então a gente tem a garrafa, a girafa, um galo e coloca as reálias ali dentro de um potinho”, exemplifica Raquel. A professora também diz que o modo como estabelecer a comunicação é essencial e, para que isso aconteça, o mais efetivo é partir de interesses da própria criança. Ela conta sobre uma situação em que trabalhou com um estudante que tinha comprometimento na fala e na movimentação, e que a família não conseguia, até então, estabelecer algum tipo de comunicação efetiva. Sabendo que a criança manifestava grande interesse em futebol, Raquel utilizou essa informação para conseguir criar uma primeira conexão. “(...) A partir disso [interesse em futebol], eu fui trazendo palavras: bola, futebol, Cruzeiro, Atlético… e sempre com a imagem relacionada para ele poder associar e compreender. E aí isso foi fazendo sentido, despertou nele o interesse para também aprender outras coisas, porque ele normalmente era extremamente apático na sala de aula”, relata a professora.

As tecnologias assistivas também têm papel importante na inclusão dos estudantes com deficiência no ambiente da sala de aula, auxiliando na interação com os colegas de classe, por exemplo. “(...) Esses recursos auxiliam muito porque, quando as crianças percebem que eles estão sendo usados na sala de aula e que aquele colega lá [que tem uma deficiência], ele consegue compreender, que ele consegue dar respostas; eles automaticamente socializam e começam a se relacionar com essa criança de igual para igual”, afirma Raquel. Virginia Andrade, professora do AEE, aponta que uma prática interessante é, quando possível, levar toda a turma para conhecer a sala do atendimento especializado, o que desperta muito a curiosidade das crianças e ajuda a desmistificar a ideia de que algumas atividades são feitas somente com um recurso, como a leitura e a escrita, que podem ser feitas utilizando um notebook com um acionador, ou com um sistema de varredura. Isso também faz com que os demais alunos entendam as necessidades diferentes de cada um e possam eles mesmos auxiliar na inclusão do estudante com deficiência, já que se tornam capazes de compreender os outros tipos de comunicação, utilizando cartões que indicam emoções, por exemplo, para identificar o que o colega está sentindo e o que ele precisa.

Infelizmente, as salas do AEE não estão presentes em todas as escolas, funcionando por um sistema de pólos, que atendem mais de uma unidade. Os recursos de alta tecnologia, pensando nas tecnologias assistivas, também são muito caros e nem sempre estão disponíveis. A professora da UFMG, Jáima Pinheiro, no entanto, indica que existem possibilidades a serem exploradas: “(...) programas, que aí a gente precisa de uma articulação, por exemplo, entre a escola e às vezes algum setor de assistência social ou de saúde, para obter esses recursos de uma forma um pouco mais acessível”.

De qualquer maneira, os recursos de baixa tecnologia, ainda assim, conseguem cumprir bem o papel de auxiliar o aprendizado, cabendo ao professor criar estratégias e, quando preciso, buscar ajuda para oferecer o ensino adequado, de acordo com a demanda da criança. É preciso ter em mente que a presença da pessoa com deficiência nas escolas deve sempre ajudar a qualificar as práticas escolares, suscitando reflexões e mudanças, como enfatiza Virginia Andrade: “se eu penso no meu objetivo, eu consigo pensar uma estratégia para chegar a todos os sujeitos, e aí o ambiente não se torna hostil àquela pessoa e àquela necessidade que ela expressa” e completa: “Eu acho que a gente precisa aprender a mudar o nosso foco. Muitas vezes a gente olha pro sujeito e fala assim: ‘nossa, ele só pisca’. Quando a gente muda esse nosso foco e fala assim: ‘nossa, ele pisca, então existe um recurso que eu posso utilizar’”, reflete a professora.