Perspectivas da produção de textos em contextos escolares

A produção de textos antes e durante o desenvolvimento do curso de especialização


     

Letra A • Quinta-feira, 17 de Outubro de 2019, 16:37:00

 
Por Rubia Neli Perdigão Alves*
 
“No primeiro convite: olá tá sem acento; escrevi vcs no lugar de vocês; esqueci de escrever o da sem a partir das 8 h; e não deu para colocar o local todo. E no último só esqueci o nossa aqui em nossa festa da família e esse ponto aqui é o ponto de exclamação no não faltem! Acho que o segundo ficou mais completo.”
 
 
Primeira versão do convite da aluna Júlia F.
 
Essa é uma fala da aluna Júlia F. comparando suas escritas (rascunho e inicial) do convite da festa da família. Reflexões como essa em que Júlia F. compara sua produção de texto inicial com a final são propiciadas pela Análise Crítica da Prática Pedagógica (ACPP) e o Plano de Ação que se desenvolvem com a orientação do professor doutor em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Gilcinei Carvalho, por meio do curso de especialização LASEB, proporcionado pela parceria da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Belo Horizonte com a UFMG.
 

Segunda versão do convite da aluna Júlia F.

Esse Plano de Ação está sendo realizado em uma turma do 2º ano do 1º ciclo na Escola Municipal Lídia Angélica e a minha participação nesse curso de especialização em Alfabetização e Letramento vem, por um lado, valorizando e enriquecendo algumas práticas do cotidiano escolar e, por outro lado, provocando reflexões e mudanças gradativas em outras práticas, principalmente nas áreas de Literatura e Produção de texto.

Ao longo destes doze anos em que atuo como professora referência dos três anos do primeiro ciclo, venho vivenciando a dificuldade demonstrada pelos estudantes no desenvolvimento das habilidades necessárias para uma escrita eficiente dos diferentes gêneros textuais, e enfrentado, assim como minhas colegas de profissão, a dificuldade de intervir nessa produção da escrita. Nas últimas reuniões do ano de 2018, o grupo de professores da E.M. Lídia Angélica, apoiados pela coordenação e direção, deixam claro a preocupação unânime coma produção textual dos estudantes e destacam a necessidade de atuarmos sobre essas dificuldades na produção de texto. Nessas reuniões, decidimos, então, que haveria, na organização do horário deste ano, uma regência compartilhada, uma vez por semana, com o intuito de reduzir a quantidade de estudantes em sala de aula e possibilitar uma intervenção mais eficiente na produção textual inicial dos estudantes.

Perceber, agora, o texto como processo de produção e interação faz toda diferença em minha atuação e intervenção, pois os “erros” e as marcas de rasuras deixam de ser condenados e passam a ser vistos como momentos de reflexão do aprendiz sobre sua escrita, além de indicativos para o professor dos recursos linguísticos que necessitam de mais atenção naquele momento. E, ainda, o papel fundamental do professor em proporcionar ao estudante retomar seu texto, refletir sobre alguns aspectos e reescrevê-lo, se preciso, são riquezas teóricas apresentadas em autores como Bakhtin e Raquel Salek Fiad pelos professores da especialização que abordam esta área do conhecimento e, principalmente, pelo meu orientador.

Assim, pouco a pouco, vou incorporando essa mudança de perspectiva sobre o texto ea produção textual, e implementando, no dia a dia escolar, estratégias que levem os estudantes a refletirem sobre seus textos e sobre a importância da correção e reescrevê-los, se preciso for, como no caso do Convite da Festa da Família, que se deu da forma descrita a seguir.

O primeiro passo foi conversar com os alunos e perguntar se alguém já havia recebido um convite para ir a um lugar ou fazer alguma coisa. Então percebi que a maioria só conhecia convite de aniversário enviado pelo “WhatsApp” dos pais.

Desse modo, pedi para que trouxessem convites impressos para montarmos um mural. Mesmo aparecendo poucos convites, nosso mural foi composto com convites dos tipos: casamento, formatura e aniversário, o que já deu para exemplificar quanto à variedade dos textos. Lemos e interpretamos esses e outros convites, assim como fomos observando a estrutura e as características desse gênero textual.

Em seguida, visto que a Festa da Família de nossa escola se aproximava, propus aos estudantes que confeccionássemos nosso convite para tal ocasião.

Pensamos coletivamente como seria, porém cada estudante escreveu o seu convite. Recolhi essas versões iniciais, escolhi uma delas e, no dia seguinte, eu a reproduzi no quadro para que os estudantes pudessem analisar. Nessa ocasião, questionei se eles consideravam importante corrigir o texto e alguns disseram ser importante, porque, se a data, o horário e/ou local estivessem errados, a família poderia se enganar: chegar atrasada ou adiantada; ir no dia ou lugar errado. Então, com a ajuda de uma estudante escriba, o texto foi corrigido coletivamente no quadro. Em seguida, cada um passou a limpo a versão final do convite, fez a ilustração e alguns enfeitaram usando colas coloridas e com “glitter”.

Depois de tudo pronto, no dia seguinte, convidei alguns estudantes para refletirem um pouco mais sobre seus textos, comparando o rascunho e a versão final, e acredito que, aos poucos, essas e outras ações e intervenções realizadas vêm contribuindo para que os estudantes percebam a importância desse ato de retomada do texto, além da reflexão sobre o objetivo do texto e sobre o entendimento do leitor em relação à mensagem. E, assim, os atos de reflexão e reescrita vêm se tornando cada vez mais parte do processo de produção textual.

*Professora municipal (1º e 2º ciclos) de Belo Horizonte.