Por onde anda a BNCC?

A Base Nacional Comum Curricular recebeu muitas críticas desde a homologação de sua versão final, em 2017, mas o documento vem sendo, de maneiras diferentes, introduzido nos currículos e nas práticas das escolas


     

Letra A • Terça-feira, 01 de Março de 2022, 20:50:00

 
Por Isabella Lino 
 
As políticas públicas são um conjunto de ações realizadas pelo Estado, como projetos, leis e programas, por exemplo, com o objetivo de garantir a manutenção dos direitos previstos pela Constituição para toda a população, entre eles, a educação de qualidade. Visando a isso, no ano de 2017, foi homologada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo com a pretensão de orientar o processo de regulamentação dos currículos escolares do território nacional e definir uma série de competências a serem desenvolvidas pelos alunos de todo país, de acordo com cada ano escolar. A BNCC foi produzida sob a perspectiva de ser uma ferramenta para a promoção da equidade de acesso aos conteúdos de ensino, de modo que, em teoria, sejam focadas as mesmas habilidades e competências aos estudantes de diferentes regiões do território brasileiro que cursam a mesma série.
 
As diretrizes presentes na BNCC deveriam ser implementadas de forma efetiva nas instituições de ensino até o final de 2020. Atualmente, as mudanças ocasionadas pelo documento já se fazem presentes nos materiais didáticos, nos currículos estaduais e municipais, assim como no Plano Político Pedagógico de algumas instituições de ensino. Porém, o surgimento da pandemia da Covid-19 gerou alguns impactos no processo de implementação do documento na prática, em sala de aula, já que trouxe novas urgências para as secretarias de educação, como a necessidade de produção de um novo material didático emergencial para os alunos durante o período de ensino remoto, o que comprometeu o planejamento da implementação da Base Nacional Comum Curricular em alguns aspectos, principalmente na questão da formação dos professores. Por isso, em muitos estados e municípios brasileiros, ainda não foram realizadas ações de capacitação dos profissionais de educação, como cursos e palestras sobre as propostas da Base Nacional Comum Curricular. "Devido à pandemia, tivemos dificuldade de realizar a formação dos professores para a implantação da BNCC e isso foi um ponto bastante negativo", confirma a vice-diretora da Escola Municipal Vitrúvio Marcondes Pereira, de Sapucaí-Mirim (MG), Ruth Morais.
 
Sem a possibilidade de aulas presenciais, os professores das escolas da rede pública e privada de ensino tiveram que realizar o remanejamento das atividades estudantis para o ambiente virtual, com apoio de materiais impressos, ao mesmo tempo em que buscavam aplicar as diretrizes propostas pela BNCC no dia a dia com os alunos. Esse cenário de enormes demandas revelou-se um desafio para os educadores, que, por não possuírem uma formação que permitisse o trabalho efetivo com o documento, encontraram dificuldades em organizar os diários de classe e os planejamentos das aulas exigidos pelas instituições de ensino, apoiados na perspectiva de habilidades, competências e objetivos de aprendizagem. "Mesmo com a pandemia, nos foi cobrado todo o nosso planejamento em cima da BNCC. Então, preparados ou não, a gente tem trabalhado, desde o início de 2020, com o documento, com essa questão de habilidades e competências", afirma Juvonete Lins, professora da rede municipal de Sabará e da rede estadual de Minas Gerais. "Trabalhar com competências e habilidades não é algo fácil; a gente vem de um próprio sistema em que o ensino é a prioridade e, nesse novo desenho, a aprendizagem que precisa ser o foco", complementa Kátia Matheó, coordenadora do Ensino Fundamental da Secretaria de Educação da Bahia.
 
Para Noadia Iris, professora e pesquisadora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, o documento, embora inicialmente tenha sido escrito de forma colaborativa, com a participação ativa de diversos educadores e instituições de ensino, não apresenta de forma perceptível, em sua estrutura, as orientações e as reivindicações dos professores que atuam diariamente em sala de aula. Além disso, a BNCC adentrou em diversas instituições de ensino de forma verticalizada, sem abertura para debates, ponderações, assim como críticas, o que dificultou o processo de aceitação e aplicação do documento por parte dos professores. "Diferentemente dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), por exemplo, que você tinha em alguns pontos o texto direcionado, em que você percebe um diálogo com o profissional, com o educador, na BNCC isso não acontece", acrescenta.
 
Apesar dos problemas, para a vice-diretora Ruth Morais, a BNCC tem funcionado como um instrumento auxiliador no processo de criação e planejamento de aulas mais dinâmicas, engajadas e participativas. O documento também contribuiu para a criação de uma nova perspectiva sobre a avaliação da aprendizagem, que deixou de possuir um caráter classificatório – em que somente o resultado final é visado – e passou a ter uma visão formativa. No modelo de avaliação formativa, o objetivo é analisar todo o percurso de ensino-aprendizagem, levando em consideração o contexto em que os estudantes estão inseridos e as suas condições de aprendizagem, além do desempenho e da prática pedagógica do professor. 
 
Além disso, a metodologia de trabalho baseada em habilidades estimula que as propostas pedagógicas não fiquem limitadas a uma disciplina ou conteúdo específico, propondo a realização constante de atividades que transitem de forma fluida entre múltiplas áreas do conhecimento. Desse modo, o professor não precisa mais, necessariamente, ser cobrado a planejar sua aula com base em uma série de conteúdos que os alunos precisam aprender. "Então, às vezes eu posso trabalhar, por exemplo, uma receita sem restringir a um conteúdo específico, só português ou só matemática, mas sim um conjunto de habilidades", afirma Tâmila Tavares, professora da rede municipal de Tartarugalzinho (AP). 
 

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