Por onde anda a BNCC? | parte 3


     

Letra A • Terça-feira, 01 de Março de 2022, 21:00:00

 
Implementação do documento
 
A implementação da BNCC vem ocorrendo de forma diferente nos estados e municípios brasileiros. Na Bahia, por exemplo, começaram a ser realizadas, no início de 2021, ações em larga escala de capacitação dos educadores sobre a nova proposta curricular. De acordo com Manuelita, superintendente de políticas para a educação básica, a Secretaria de Educação pretende, até o final de dezembro, mobilizar e engajar todos os 417 municípios do estado no processo de implementação do DCRB, além de promover a formação continuada de, aproximadamente, 10 mil educadores. "Este ano a gente deve chegar no nível de debate sobre os PPP (Projeto Político Pedagógico), como eles podem contemplar e já podem ser revisitados à luz do DCRB, da BNCC. Para o próximo ano, a gente quer chegar no nível dos planos de ensino, dos planos de aula, então nós temos um rumo definido", afirma.
 
Já em Pernambuco, segundo a professora e pesquisadora Noadia, não existe em vigor, até o momento, um plano efetivo de capacitação dos professores da rede municipal sobre a BNCC. No estado, as escolas que estão localizadas próximas aos centros universitários e que atuam como campos de estágio promovem, de forma esporádica, encontros para discutir sobre as diretrizes curriculares, mas nas demais instituições isso não acontece, de modo que a formação de muitos professores fica comprometida. Por causa disso, os educadores que querem compreender mais do assunto precisam buscar por conta própria conteúdos e materiais produzidos por organizações privadas, como fundações, ou órgãos públicos de outras regiões. "Os professores de linguística na educação básica, por exemplo, promovem leituras da BNCC na série "Abralin Ao Vivo" [no canal de Youtube da Associação Brasileira de Linguística] e aí, voluntariamente, aqueles que se interessam vão lá e assistem, sem nenhuma obrigatoriedade ou controle", complementa.
 
Nas escolas da rede municipal da cidade de Sabará (MG), foi ofertado para os educadores do ensino básico um curso de formação continuada sobre a BNCC. De acordo com a professora Juvonete, em quase todas as sextas-feiras, ao longo do ano de 2019, os professores se reuniam em uma das salas da instituição para realizar o estudo e a análise detalhada do documento. "Eu sei tudo sobre a BNCC para trabalhar em outras escolas, porque Sabará me deu esse tempo para estudar lá. Foi muito importante poder parar e refletir sobre as novas mudanças e formatos propostos". Porém, apesar de elucidar e proporcionar a compreensão das diretrizes curriculares, o curso apresentou um caráter endurecido, na visão de Juvonete, já que não deu abertura para os professores exporem as suas opiniões e apontarem os pontos fortes do documento, bem como os tópicos passíveis de melhoria e adequação. "Eu só acho que deviam ter escutado um pouco mais os professores, porque somos nós que estamos diariamente lá dentro da sala de aula".
 
Algumas instituições privadas também estão tendo um papel muito importante no processo de implementação do documento. A revista Nova Escola, por exemplo, produziu e disponibilizou gratuitamente na internet uma série de materiais instrutivos, assim como pelo menos uma atividade para cada competência e habilidade proposta pela BNCC. O projeto surgiu com o objetivo de exemplificar para os professores como as diretrizes curriculares podem ser aplicadas na prática docente e auxiliá-los no processo de construção dos planos de ensino. "No primeiro ano de trabalho na Nova Escola, a gente conseguiu desenvolver uma sequência de 500 aulas com as habilidades, então não tem dificuldade para implementar. A maior dificuldade, na verdade, é o professor passar a entender a BNCC e o RCA para poder fazer a atividade", pontua a professora Tâmila.
 
Para Manuelita, embora as iniciativas dos estados e dos municípios para a capacitação dos profissionais da área da educação sejam válidas e importantes para a implementação da BNCC, não adianta muito teorizar sobre o currículo, pois é necessário que o processo ocorra de forma natural e gradual para que haja a inserção efetiva do documento na prática pedagógica. "Eu acho que isso chegará em uma forma matricial, quanto mais os educadores vão se familiarizando com a BNCC e quanto mais a política pública vai reafirmando a autonomia do exercício da docência, a autonomia escolar, menos camisa de força a BNCC será", ressalta. Em contrapartida, para a professora e pesquisadora Noadia, um dos fatores que mais dificulta a implementação da BNCC atualmente é a ausência, por parte das secretarias de educação e dos órgãos públicos, de ações mais eficazes de suporte aos professores durante o momento de transição curricular, como cursos de formação continuada, fóruns de debate e infraestrutura, por exemplo. "Não é suficiente você dar um currículo, uma nova proposta curricular. Você precisa investir para que aquela proposta seja exequível nas diversas regiões do país", ressalta.
 
A alta rotatividade de professores das redes estaduais, devido à falta de vínculo empregatício fixo por um período longo, também afeta a implementação efetiva do documento nas escolas. Como não há uma política abrangente de capacitação dos educadores sobre a BNCC, as ações de formação continuada estão sendo feitas de forma isolada, por vontade autônoma da instituição de ensino ou do profissional, e como todo ano, ao término do contrato, os professores capacitados podem deixar a escola, dando lugar a um novo grupo sem a formação, é gerado um ciclo de defasagem na Educação Infantil e na Básica, que cria uma necessidade constante de treinamento. "Eu acho que seria um incentivo e uma solução ótima para isso determinar que, para conseguir pegar um cargo na rede estadual, é preciso realizar um curso sobre a BNCC de ‘x’ horas de duração", afirma a professora Juvonete. 
 
Para Manuelita, a principal dificuldade para a implementação efetiva da BNCC nas escolas encontra-se na formação inicial dos professores. Isso ocorre porque ainda há, em muitas universidades brasileiras, um movimento de resistência ao documento curricular, o qual é responsável por disseminar no ambiente acadêmico críticas negativas sobre certos aspectos da BNCC, ao passo que ignora possíveis avanços e melhorias proporcionados por ela, o que contribui para que os professores recém-formados se tornem relutantes em explorar o documento. "A educação básica está migrando para essa nova política curricular e as universidades continuam achando que isso não vai acontecer e apostando, na minha percepção, que a BNCC vai naufragar em algum momento, que lá na frente a gente possa vir a ter um governo progressista que pegue a BNCC e jogue na lata de lixo, o que, na minha opinião, seria um grande retrocesso. Não que a Base seja ótima, mas porque ela aponta possibilidades", assevera Manuelita.
 

Continue lendo:

Parte 1 – Por onde anda a BNCC?

Parte 2 – Construção dos currículos