Por que eles voltaram a estudar

Estudantes e ex-estudantes da Educação de Jovens e Adultos da UFMG contaram suas histórias e refletiram sobre seus percursos escolares, em evento na FaE


     

Geral • Quarta-feira, 18 de Maio de 2016, 19:14:00

Por ter parado de estudar muito nova, Esther relata ter passado boa parte da vida “sem autoestima”. Quando retomou os estudos, viu que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) “é envolvimento, trabalho em grupo, conhecer o outro”. Da antiga personalidade acanhada, logo nasceu um espírito de liderança: foi representante de turma por três anos. “Graças a Deus estou falando um pouquinho mais. Antes eu só ouvia.” Da timidez ainda resta algo (porque isso é um pouco nato mesmo, ela acredita). Mas, em matéria de autoestima, a guinada foi completa: “No dia em que fui no Centro Pedagógico buscar meu diploma, não parava de rir. Me senti cadastrada na sociedade!”, e riu de novo ao contar.

A fala extrovertida de Esther Aline Salomão das Virgens abriu a mesa “As histórias de educandos e educandas da EJA na UFMG - Relatos de experiência”, na terça-feira (17), na Faculdade de Educação da UFMG.


Se escuta alguém dizer que é tarde para voltar a estudar, Dona Ivone apresenta logo suas credenciais. “Nunca é tarde! Eu entrei tinha mais de 80 anos. Estou aqui, aos 90, ainda querendo…” É interrompida pelo auditório em aplausos. Só retoma quase um minuto depois: “...querendo aconselhá-los a não desistir!” Tinha uma coisa que lhe tirava o sono quando estava no Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos (Proef): “Quando um colega resolvia não mais estudar, eu perdia a noite pensando num conselho.” Dona Ivone sempre quis retomar os estudos, mas teve vários impedimentos ao longo da vida. Quando a filha falou do Proef, perguntando: “Mãe, a senhora sempre teve vontade de estudar, quer voltar a estudar?”, sua resposta foi direta: “Ontem!” Algumas memórias do pouco tempo na escola, na infância distante, ainda são fortes. Dona Ivone se lembra até hoje do texto de um monólogo que a professora lhe deu para ler quando tinha 8 anos de idade, de título “Queixas de uma colegial preguiçosa”. Sobre essa característica da personagem, Dona Ivone deixa clara sua ressalva: não tem nada a ver com ela!

Após Ivone da Silva Lage encerrar sua fala, recitando o referido monólogo inteiro, quase todo de cor, o auditório se levantou para aplaudi-la mais uma vez.


José Geraldo anuncia que, no discurso que irá ler, “o que estiver certo foi o Proef que me ensinou, o que estiver errado fui eu que fiz”. É a primeira de várias brincadeiras improvisadas que pontuam a leitura do texto mais sério, escrito pelo ex-militar para falar sobre sua experiência de um ano e meio como aluno de EJA. Um dos assuntos sérios da fala envolve exatamente esta profissão em que se aposentou: “hoje eu sei o que foi a ditadura, antes só via o lado bom”. Levou tempo para que José Geraldo visse vantagem em voltar a estudar. Mas, desde que voltou, aproveita cada instante: “O Proef vai me levar muito mais longe do que eu pensava em chegar. Sonhava, mas não pensava.” Um dos grandes sonhos foi realizado rapidamente: no fim de seu primeiro ano na EJA, ele já publicou um livro de poesias, e anuncia que já tem escritos 16 capítulos de uma próxima publicação.

José Geraldo da Silva lançou “O Sentido da Vida” no fim do ano passado, livro de poesias que vendeu e autografou na saída de sua participação no Seminário 30 anos da EJA na UFMG.


Quando criança, Maria de Fátima ouvia do pai que “mulher não precisava de estudar”. E assim deixou a escola aos 8 anos, para trabalhar. Depois de muito tempo, já os filhos crescidos, aquele mesmo discurso inibidor do pai se atualizava em outras vozes. Até mesmo em casa, ainda ouvia: “Está fazendo o quê na escola? Vai pra igreja, vai frequentar um grupo de senhoras…” Para que, então, voltar a estudar? Maria de Fátima salpicou algumas respostas, que ela vem descobrindo no decorrer de sua experiência como estudante de EJA: “melhora nossa autoestima”, “aprende cada dia um pouquinho”, em “horas agradáveis na sala de aula”, passadas com um grupo que é como uma família, presente “quando precisa de um abraço”.

Em 2013, Maria de Fátima Marinho de Oliveira concluiu o Ensino Fundamental e atualmente cursa o Projeto de Ensino Médio de Jovens e Adultos da UFMG.


Oseias conheceu a Faculdade de Educação da UFMG com 11 anos. Aquele “menino magrinho” já tinha um talento escondido: “eu mesmo não sabia, mas estava lá”. Oseias lavava carros na FaE, onde a convivência com professores era estimulante para que aquele talento começasse a se revelar. Ouvir professores conversarem em inglês, tomar com eles um cafézinho: tudo era inspirador. Até que decidiu concluir o Ensino Médio na EJA da UFMG e logo foi cursar Letras, graduação que emendou com duas pós-graduações. “Hoje consigo fazer aquilo que estava oculto, estava guardado.” Atualmente, Oseias é professor da rede municipal de BH.

Oseias Salomão das Virgens lavou carros por 26 anos na FaE, ambiente que o motivou a estudar.


Os cinco relatos acima foram parte do III Seminário Universidade e Educação de Jovens e Adultos - 30 anos da EJA na UFMG, que ocorre esta semana na Faculdade de Educação da UFMG.

 

Texto: Vicente Cardoso Júnior / Ceale

Fotos: Luciana Gontijo / Proef-2