Por uma reflexão pedagógica sobre inclusão digital

Em entrevista ao Letra A 55, a professora da PUC-Rio Rosália Maria Duarte conversou conosco sobre a questão da inclusão digital em nosso país e o que a pandemia acarretou para a discussão


     

Letra A • Terça-feira, 01 de Março de 2022, 21:10:00

 
Nunca antes estivemos tão à mercê da tecnologia. Grande parte de nossas ações tornaram-se mediadas pelas telas durante o ano de 2020 e a educação precisou adequar-se, bem como as compras, as reuniões familiares e tantas outras ações, comumente presenciais. A necessidade tecnológica trouxe o retorno da pauta ‘inclusão digital’. Segundo a pesquisadora e professora da PUC-Rio Rosália Maria Duarte, a pandemia gerou “um impacto gigante e as escolas não estavam preparadas e os professores também não”.
 
Na entrevista desta edição do Letra A, Rosália nos ajuda a entender o que significa promover inclusão digital em nosso contexto e quais são as dificuldades do Brasil em proporcionar um acesso de qualidade a estudantes e professores, fazendo também apontamentos necessários para que a inclusão não se torne apenas uma promoção de acúmulo de maquinários obsoletos.
 
Por Pedro Eufrosino
 

O que é inclusão digital e quando surgiu esse conceito?

 
O conceito é dos anos 1990, assim que começou a expansão da internet e o acesso a ela. Esse debate ainda não tinha força antes. Claro que a ideia de colocar tecnologias digitais na escola já estava pautada nos anos 1980, inclusive o ProInfo (Programa Nacional de Tecnologia Educacional) é do final dos anos 1980. Mas, o debate sobre inclusão vem junto com a internet porque, como ela chegou de uma maneira absolutamente desigual, dizia-se: “É, a internet está chegando, ela vai fazer uma revolução nas formas de comunicação e vai ficar muita gente de fora”. Falava-se num gap digital, em um fosso digital, alguma coisa assim, no sentido de que ia ficar muita gente do lado de fora. Então, daí o debate de que era preciso incluir, era preciso trazer para o acesso aqueles que não tinham tido isso até aquele momento, ou que não estavam tendo acesso [adequado] naquele momento.
 

Como essa ideia vem sendo pensada e aplicada no Brasil, um país onde há – e sempre houve – mais exclusão do que inclusão?

 
A inclusão digital reproduz o mesmo modelo hierárquico e desigual da sociedade brasileira. Então, o acesso foi muito lento aos mais pobres, foi muito retardado aos negros, foi muito lento para as escolas, principalmente as públicas. No Rio de Janeiro, por exemplo, todas as escolas têm internet, mas em 70% delas as diretoras dizem que é ruim ou péssimo [o sinal]. Então, você vê que nas escolas públicas a desigualdade persiste; é, sim, muito mais exclusão do que inclusão.
 
Mesmo hoje, quando temos 230 milhões de celulares no país e, mais ou menos, 80% da população acessando a internet pelo celular. Isso de novo produz desigualdades. Você e eu que trabalhamos online sabemos a diferença que é ter acesso a uma tela maior, a um notebook com 15 polegadas, por exemplo, do que ter acesso somente e exclusivamente pelo celular, tanto em termos de velocidade, de pacotes de dados, quanto em termos da limitação de tela; você ser obrigado a ler, escrever e fazer exercícios, tudo numa tela de 5, 6 polegadas.
 
Há uma questão de classe bem definida, as classes A e B têm acesso prioritariamente, no caso dos estudos, pelo notebook e, às vezes, até telas maiores, como desktop. Em termos de região também há diferenças: Norte e Nordeste têm menos banda larga, os pacotes de dados são menores e mais caros, há menos pessoas com acesso via notebook, desktop ou mesmo tablet.
 

São dificuldades tanto financeiras quanto outras dificuldades, certo?

 
Correto. Primeiro, a infraestrutura, ela também é desigual. Há cidades onde nunca se teve acesso por fibra óptica; há cidades em que o acesso também não é feito por satélite, é feito por telefone ainda; então, é uma questão estrutural. Aí, segundo, temos um problema de políticas públicas. Você tem que ter uma política pública de infraestrutura, é necessário ter a mesma infraestrutura para atender a todas as regiões do país e a todas as cidades, o que não é fácil no Brasil, já que somos um país continental. Temos uma infraestrutura ultrassofisticada nos grandes centros urbanos e, em regiões rurais e cidades menores, uma infraestrutura ruim.
 
Terceiro, você tem que ter uma política pública para as escolas. Elas precisam ter acesso à internet, se quiserem, não obrigatoriamente. Mas, se quiserem ter acesso, precisam de uma política que proveja o acesso com qualidade e velocidade. A ONU (Organização das Nações Unidas) tem um setor de monitoramento da tecnologia no mundo, chamado ITU, e esse setor produz todos os anos um relatório de acesso à internet no planeta. De novo você identifica absoluta desigualdade entre, por exemplo, Coreia e países africanos. Na Coreia, hoje você tem em todas as casas, em todas as escolas, em todas as estruturas públicas, no mínimo, 200 megas (MB) de velocidade de banda larga gratuito. Quando olhamos para países da África ou da América Latina, essa desigualdade, que estamos sinalizando, aparece em termos de infraestrutura e, sobretudo, em termos de políticas públicas, bens públicos, hospitais, escolas públicas, repartições públicas que deveriam ter uma infraestrutura de acesso muito melhor do que a que tem hoje. Então, falta política pública e investimento nesse setor para atender as necessidades.
 

Continue lendo:

Parte 2

Parte 3