Quando o leitor encontra a literatura (2)


     

Letra A • Quarta-feira, 20 de Abril de 2016, 18:00:00

...começa ouvindo e vendo histórias...

Na Educação Infantil, os primeiros contatos das crianças com os livros ocorrem antes mesmo de elas saberem ler. “Quando a criança entra na escola, nos primeiros anos, ela vai ter um acesso mais sistematizado, com a professora realizando, por exemplo, a hora do conto. Então vai ter acesso ao impresso e, mesmo que ela não conheça as palavras, vai movendo as páginas. É muito interessante você ver essa leitura, isso é um exercício ótimo”, afirma Rildo Cosson. Mesmo não sendo capaz de decodificar a escrita nessa fase, a criança já começa a se portar como leitora. “Ela faz isso porque vê alguém fazendo, então ela simula a leitura e vai contando uma história. Essa é uma oferta literária e uma forma de acessar o literário”, completa. Com os estímulos recebidos por meio de jogos, brincadeiras e, principalmente, com as histórias que ouvem no dia a dia, a criança começa a se formar como leitora. “Ela ouve o adulto contando sobre algo que aconteceu na família, sobre o seu próprio nascimento, e isso faz com que incorpore elementos da narrativa, elementos da ficção, da poesia, o que facilita posteriormente aquele contato com os textos formais”, destaca Rildo.

Até mesmo atividades que proponham a análise do texto literário já são possíveis entre as crianças não alfabetizadas. A professora do Centro Pedagógico da UFMG Maria Elisa Grossi afirma que, já na Educação Infantil, esse exercício de reflexão pode ser feito por meio de perguntas e comentários. “O professor pode levantar questões sobre características da fábula, por exemplo, falando sobre os personagens que são animais, que geralmente falam, pensam e têm uma vida como se fossem seres humanos”, sugere a professora. Esse trabalho de apropriação das características do gênero e da estrutura da narrativa é um processo de construção que gera frutos a longo prazo. “Se isso for feito desde a Educação Infantil, as crianças já vão compreender como são estruturadas as diferentes narrativas”, ressalta Maria Elisa.

Todas as mediações realizadas desde cedo contribuem para a construção de um repertório próprio desse leitor em formação. Maria Elisa conta que, quando as crianças vão à biblioteca, procuram por histórias que o professor contou ou por outras do mesmo autor. “Aquilo fica como uma referência e alguns alunos vão até se apropriando dos autores e dos estilos. Os leitores vão se constituindo e vão selecionando também os textos de que gostam”, afirma.

 

...e então passa a ler histórias...

No decorrer da alfabetização, ajudar o aluno a encontrar estratégias para compreender o texto é um papel essencial do professor, afirma Mirian Chaves Carneiro, formadora de professores no Ceale. “A primeira coisa é ensinar a ler com autonomia e que, nesse processo, ele vai ler uma vez, duas, três vezes... Na primeira vez, vai conhecer o texto; na segunda, ele pode até parar em palavras que não conhece, ir ao dicionário ou perguntar para o professor”, sugere. Miriam ainda propõe que o professor comece essa experiência coletivamente. “Uma primeira leitura do professor – pode ser do livro todo ou apenas de seu início – é um caminho muito bom”. Ela ainda ressalta que é importante que o professor tenha uma boa fluência de leitura; do contrário, o processo pode ser comprometido.

À medida que o leitor conquista maior autonomia, torna-se capaz de exercitar outras competências de leitura. “A inferência, para quem está começando a trajetória como leitor, é uma habilidade mais difícil. À proporção que os alunos leem mais, vão desenvolvendo a capacidade de levantar hipóteses sobre o texto e de confirmá-las ou não”, afirma Maria Elisa Grossi. A pausa protocolada é um exercício muito utilizado para exercitar essa habilidade nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O professor lê uma parte da história e faz pausas breves para perguntar aos alunos o que eles acham que vai acontecer. Em seguida, continua a história e a turma verifica quais hipóteses seguiram o mesmo caminho do autor. Em turmas onde as crianças já dominam a escrita, esse trabalho pode ir além. “O professor pode dar uma crônica inacabada e cada aluno vai criar um final. Vão ser vários finais diferentes e depois pode ser feito um mural na escola para divulgar”, sugere a professora.

 

>> Respeito às preferências e à autonomia

Conhecer as experiências literárias prévias do estudante é fundamental para proporcionar novas vivências. O doutor em Educação pela UFMG Roberto Cezar de Souza sugere que, na primeira aula, o professor espalhe vários livros em uma mesa e peça que seus alunos escolham algum. Depois, é hora de conversar o que os levou àquelas escolhas. “Quando o aluno começa a falar sobre seus critérios de escolha, o professor já consegue perceber um pouco do que ele é e como está se formando como leitor naquele momento”, sugere. Essa conversa pode resultar em uma rica troca de experiências sobre o que já leram e do que gostaram nessas leituras. Roberto também indica que, pelo mesmo caminho, é possível refletir coletivamente sobre os textos que a escola propõe que os alunos leiam e os textos que eles já leem ou gostariam de ler. “Às vezes eles querem ler Crepúsculo, e o professor não quer levar a saga para a escola. Mas qual o problema de levar Crepúsculo e discutir, inclusive, as consideradas deficiências literárias que pode haver nesse ou em qualquer outro livro? E, assim, eles vão discutir valores literários e validar as opiniões dos alunos”, incentiva Roberto.

Além da sala de aula, outro espaço rico para a formação literária é, sem dúvida, o das bibliotecas. Silvana Ribeiro Gili, que atua na Biblioteca Comunitária Barca dos Livros, em Florianópolis (SC), conta como o ambiente é preparado para receber os leitores. Em visitas de turmas escolares, são criadas oportunidades de exploração do espaço no primeiro momento, para que os alunos possam interagir com o acervo. Ali, as crianças têm acesso irrestrito aos livros. “A gente tenta mostrar que eles têm total autonomia nessa experiência de leitura”, comenta Silvana. Após a ambientação, chega o momento de convidar as crianças para abrir os livros. Mediadores ficam espalhados pelo espaço da biblioteca para incentivar a leitura ou até mesmo realizá-la para as crianças. “Algumas vezes, a gente começa a ler um livro para uma criança e ela mergulha na história, fica fascinada. E aí, outros vão chegando e se inserindo em uma leitura compartilhada”, conta Silvana. Para finalizar a visita, uma narração de história é realizada, de maneira simples, explica Silvana, para mostrar ao professor que é possível fazer o mesmo em suas aulas. “Não é nada muito elaborado ou trabalhoso, mas sempre pautado na crença de que vamos dar para esse leitor a oportunidade de se encontrar com o livro”, ressalta Silvana.

 


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