Retrospectiva: História dos métodos de alfabetização
Em sua edição de nº 3, o Letra A resgatou o embate entre métodos sintéticos e analíticos e a discussão, forte nos anos 1990, sobre a necessidade ou não de um método
Letra A • Segunda-feira, 11 de Maio de 2015, 16:46:00
Na história da alfabetização, opuseram-se métodos analíticos e sintéticos, um surgindo para superar o outro. Na década de 1990, a discussão se deslocou para a necessidade ou não de método. Hoje, considera-se que conhecer a história dos métodos ajuda o professor a resgatar alguns princípios permanentes e a construir uma metodologia eficaz para a alfabetização.
(Reportagem de 2005, por Naiara Magalhães)
Muitos professores, em toda a história do "ensino das primeiras letras", buscaram o melhor método para alfabetizar. Nos dias de hoje, essa busca continua presente, mas muitos educadores se "arrepiam" com o tema, pois consideram essa discussão um retrocesso. Isso acontece em grande parte, de acordo com Magda Soares, pesquisadora do Ceale e professora emérita e titular da Faculdade de Educação da UFMG, em razão da idéia restritiva que se tem de método, considerado como escolha de um caminho único e de um só material didático, percurso com controle excessivo que não leva em conta o processo de aquisição da língua e o conhecimento que os alunos já possuem sobre ela.
No entanto, é preciso ter em mente que não é possível alfabetizar sem método. O que muda é que o conceito toma forma mais ampla e complexa, deixando de envolver a uniformização de procedimentos em todas as turmas e em todos os momentos do ensino. Conhecer a história dos métodos de alfabetização pode levar o professor a identificar permanências e princípios norteadores que vão ajudá-lo a alfabetizar, levando em conta a situação específica da sala de aula, os conteúdos a ensinar, os processos cognitivos dos alunos e suas dificuldades e facilidades em adquirir certas habilidades.
As primeiras cartilhas e os métodos sintéticos
Até 1808, quando éramos colônia de Portugal, era proibido publicar no Brasil. Nessa época, segundo a professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do Ceale, Francisca Pereira Maciel, os professores confeccionavam materiais para alfabetizar e também usavam cartilhas portuguesas. O expositor português foi uma das primeiras, seguida pela Cartilha Maternal, do poeta português João de Deus. O método João de Deus foi mais difundido no Brasil na década de 1880, período em que surgiram, contraditoriamente, as primeiras cartilhas nacionais.
Os primeiros métodos presentes nas cartilhas brasileiras eram sintéticos, isto é, métodos que partem de unidades menores da língua para partes maiores. Se a unidade escolhida como ponto de partida é a letra, trata-se do método alfabético ou de soletração, em que primeiro se ensinam os nomes e as formas das letras, na seqüência alfabética e também salteada, para depois trabalhar com as sílabas e, em seguida, com as palavras, frases, para, finalmente, chegar a textos inteiros. Se o início da aprendizagem começa pelas sílabas, o método é o silábico. São apresentadas sílabas em diferentes estruturas, em geral associadas a uma palavra ilustrada.
Surgem os métodos analíticos
Com a Proclamação da República, houve um processo de expansão do ensino no Brasil: os primeiros grupos escolares surgem em São Paulo, em 1892, e depois em todo o país. Institui-se, nesses grupos, a divisão em séries, o que gera, então, a necessidade de materiais específicos para cada turma. O ideário republicano, nacionalista, traz a preocupação em produzir materiais "mais brasileiros", deixando de lado os termos tipicamente portugueses e os conteúdos voltados para a história de Portugal.
De acordo com Francisca Maciel, ocorre aí uma mudança no emprego dos métodos: certo rompimento com os sintéticos e progressiva difusão dos analíticos (globais), que partem de unidades significativas da língua, como palavras, sentenças ou histórias, focalizando primeiro o sentido e a memorização, para depois partir para a análise das sílabas e fonemas.
Os métodos globais são classificados em: de palavração, de sentenciação, de historietas e de contos. Como o próprio nome indica, o método da palavração toma como unidade inicial as palavras, que são memorizadas por meio de repetitiva visualização. Só depois a atenção é dirigida às sílabas, letras e sons. Segundo os defensores desse método, a vantagem de começar pela palavra é que ela é considerada, ao mesmo tempo, unidade da língua e do pensamento. O método da sentenciação segue uma lógica parecida, mas começa a análise pela frase. Já o método de historietas utiliza como ponto de partida pequenas histórias, com sentido completo em si mesmas. No caso do método de contos, os materiais didáticos trazem uma seqüência de contos, com sentidos complementares, para serem trabalhadas ao longo do ano. Ambos os métodos têm como principais objetivos desenvolver no aluno a capacidade de compreensão, além de treiná-lo na habilidade de antecipar e seguir seqüências de idéias, relacioná-las entre si e memorizá- las. Com histórias e contos, a leitura é estimulada como fonte de informação e de prazer. Posteriormente, o texto é analisado nas unidades lingüísticas menores. A principal desvantagem apontada é que, muitas vezes, a aplicação dos métodos analíticos negligencia o desenvolvimento da capacidade de ler palavras novas e deixa em segundo plano a exploração de textos diferentes dos utilizados durante o processo de alfabetização.
Reformas educacionais
Na década de 1920, ocorreram reformas educacionais em vários estados brasileiros, buscando consolidar o ideário republicano. As reformas colocaram o aluno no centro do processo de educação, defenderam a utilização de materiais concretos e jogos na sala de aula. Em Minas Gerais, essa mudança ficou conhecida como Reforma Francisco Campos - nome do então secretário de interior, responsável pela educação - e aconteceu em 1927. Segundo Francisca Maciel, "a Reforma é um marco porque instituiu a adesão oficial aos métodos analíticos". No bojo da Reforma, Francisco Campos idealizou a Escola de Aperfeiçoamento, com o objetivo de difundir o método global e o ideário da Escola Nova na educação primária em Minas. O escolanovismo preconizava a função socializadora da escola, a centralidade do indivíduo no processo de aprendizagem, a educação para a vida, o caráter científico da educação, com contribuições da Psicologia, da Sociologia, dentre outras. Lúcia Casasanta, responsável por ensinar os métodos de alfabetização às professoras na Escola de Aperfeiçoamento, era uma das maiores defensoras do método global de contos. A implantação do método global foi influenciada pelas pesquisas realizadas na Psicologia e pelos trabalhos de Decroly, que defendia um período preparatório para a alfabetização, com uso de jogos pedagógicos que possibilitassem às crianças a passagem do concreto ao abstrato e o desenvolvimento das discriminações auditiva, visual e tátil. Entre as décadas de 1960 e 1980, o caráter concreto dos jogos decrolyanos foi distorcido pelas escolas brasileiras, que os transformaram em exercícios escritos como, por exemplo, a atividade de levar o coelhinho até a cenoura por meio de uma linha pontilhada. Francisca Maciel explica, ainda, que "Emília Ferreiro se contrapôs à idéia do período preparatório da alfabetização e mostrou o caminho que o aluno percorre para aprender a ler e escrever na teoria do Construtivismo" (ver boxe).
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