Retrospectiva: Nada é mais gratificante do que alfabetizar (4)


     

Letra A • Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2015, 16:56:00

 

E o que seria o mínimo que um alfabetizador deve aprender em sua formação?

Um alfabetizador precisa conhecer os diferentes componentes do processo de alfabetização e do processo de letramento. Conhecer esses processos exige conhecer, por exemplo, as práticas e usos sociais da língua escrita, os fundamentos do nosso sistema de escrita, as relações fonema/grafema que regem o nosso sistema alfabético, as convenções ortográficas... exige ainda a apropriação dos conceitos de texto, de gêneros textuais... Mas, além de conhecer o objeto da aprendizagem, seus componentes lingüísticos, sociais, culturais, o alfabetizador precisa também saber como é que a criança se apropria desse objeto, ter uma resposta para a pergunta: "como é que se aprende a ler e a escrever? a ler e produzir textos de diferentes gêneros?" Isso significa conhecer o processo de compreensão e produção de texto escrito, o processo de construção de sentido para um texto, o processo de desenvolvimento da fluência na leitura, os processos de aquisição e desenvolvimento de vocabulário, de que dependem a compreensão e a construção de sentido... O alfabetizador tem de conhecer o objeto da aprendizagem e também o processo pelo qual se aprende esse objeto, a língua escrita. Infelizmente esses conhecimentos ainda não entraram na formação dos alfabetizadores.

Você fez uma pesquisa sobre qual seria o denominador comum entre professores de sucesso. Você chegou à conclusão de que os professores bem sucedidos eram aqueles que gostavam de alfabetizar...

Uma análise de várias pesquisas que tiveram por objetivo caracterizar a alfabetizadora bem sucedida mostrou que essas professoras usavam métodos os mais diversos, tinham diferentes níveis de formação, algumas com curso superior, curso de pós-graduação, outras apenas com formação em nível médio; também as idades eram as mais diversas, algumas muito jovens, outras bem mais idosas. No entanto, havia uma característica que era comum a todas: todas gostavam de alfabetizar, gostavam das crianças, acreditavam que as crianças eram capazes de aprender, se empenhavam ao máximo para que elas aprendessem. É uma conclusão que merece reflexão...

Nas escolas as professoras consideram um "castigo" alfabetizar? Elas fogem das turmas iniciais?

É verdade que, em geral, as professoras evitam as turmas de alfabetização. Muitas vezes, são as "novatinhas", como elas são chamadas nas escolas, que vão para as turmas iniciais, porque as mais antigas têm o direito de escolher primeiro, e quase sempre fogem das turmas de alfabetização. A novata vai para a alfabetização, mas não fica lá muito tempo, sai assim que chega outra "novatinha"... É pena, porque a experiência é um fator importante na constituição de uma alfabetizadora competente. Mas é compreensível que as professoras evitem essas turmas: a alfabetização põe uma grande responsabilidade sobre a professora, é a etapa em que os resultados do trabalho são mais evidentes, como já disse antes.

O que você diria para uma professora que quer e gosta de alfabetizar?

O fundamental é mesmo gostar de alfabetizar e assumir a alfabetização como uma opção pessoal. Nas turmas de alfabetização, deveriam ficar somente professoras que gostam de alfabetizar. Embora alfabetizar tenha essa característica um pouco ameaçadora de que a professora é avaliada de forma objetiva, é também muito gratificante ter um resultado tão visível do trabalho desenvolvido. A professora recebe uma criança que olha para um livro e só vê risquinhos indecifráveis nas páginas, desenvolve o processo de alfabetização e, no fim do ano, vê a criança decodificando e compreendendo aquilo que eram risquinhos. O alfabetizador dá acesso ao maravilhoso mundo da escrita, dá acesso aos livros, à leitura, conduz a criança à conquista do instrumento que lhe abre as portas para todo o conhecimento, toda a cultura que vem sendo preservada pela escrita, ao longo de séculos. Eu não teria dúvida em afirmar que isso é muito mais gratificante do que levar um orientando a produzir uma tese de doutorado... Nada é mais gratificante, na educação, que alfabetizar uma criança.

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