Sinais de inclusão
Graduada em Educação Especial, professora aposta na valorização da Língua Brasileira de Sinais e da cultura surda desde os primeiros anos da educação básica
Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 15:43:00
Por Eliza Dinah
Aprender a viver com as diferenças é muito mais fácil quando se é criança. “Ela reconhece que o colega é diferente, mas não questiona isso, então se abre para aprender e viver aquilo”, afirma a professora Lúcia Loreto Lacerda, que há sete anos ensina a Língua Brasileira de Sinais (Libras) tanto para surdos quanto para ouvintes. Grande entusiasta do ensino de Libras como segunda língua na educação básica, Lúcia observa como as crianças estão abertas a esse aprendizado. “Ela não tem vergonha, não tem preconceito, então é um processo muito rápido”, afirma. Com passagem pela Educação Infantil e pelo Ensino Fundamental, Lúcia atualmente é professora do Instituto Federal Catarinense (IFC), onde ensina Libras para alunos de graduação.
Após se formar em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), começou a trabalhar como professora de Educação Infantil no Núcleo de Educação Infantil da própria universidade. Já nesse início, mesmo sem ter alunos surdos, Lúcia promovia o ensino da língua de sinais por meio de músicas. Após um ano, mudou-se para Florianópolis, onde começou a lecionar também no Ensino Fundamental, a partir de então como professora de Libras. Foi na nova escola que teve sua primeira aluna surda, em uma turma da Educação Infantil, o que a motivou a iniciar um projeto sistematizado de ensino de Libras para as crianças ouvintes – observando as diferentes condições de aprendizado para cada aluno. “O que para a criança surda é uma forma natural [de se comunicar], a configuração das mãos, para a criança ouvinte causa certo estranhamento. Portanto, isso é trabalhado de forma diferente”, explica.
Com o projeto ainda no início, Lúcia observava em diferentes atitudes o interesse das crianças. Os alunos ouvintes pegavam objetos para mostrar para a colega surda, e muitas vezes inventavam um sinal e criavam gestos para conseguir se comunicar. “Na cabeça deles, já estavam fazendo os sinais”. Até quando faziam caretas, Lúcia ressalta que era “sempre com uma postura, com seriedade, como se já estivessem se comunicando”. O simples contato com uma língua nova para eles e a vontade de conversar com a colega surda despertaram o desejo de comunicação.
Língua e cultura juntas
Para Lúcia, a importância de se ensinar uma criança surda junto às crianças ouvintes está em promover a real interação entre elas e o aprofundamento da cultura surda. Somente assim, o convívio entre professor, surdo, ouvinte e intérprete se torna completo. Lúcia acredita que um professor que simplesmente não quer se comunicar, que se apoia no intérprete e nem se dirige ao aluno torna mais difícil a inclusão do surdo. “Muitas vezes, [o aluno surdo] acaba tendo uma identidade flutuante, não se aceita enquanto surdo ou nega a própria surdez, a própria língua’’.
Para conciliar a educação de crianças surdas e ouvintes, a professora evitou limitar as aulas ao ensino da língua, voltando o ensino também para elementos da cultura surda. Por meio de teatro, de piadas e da literatura, os ouvintes puderam compreender como é “o jeito surdo de experimentar e de viver o mundo”. E, após envolver as crianças, um resultado inesperado: “acabamos divulgando a língua de sinais, mesmo sem ter esse objetivo, e conseguimos através das crianças”, conta. O projeto funcionou tanto que muitos pais relataram que os filhos ouvintes tentavam ensinar a língua de sinais em casa.
Hoje, trabalhando no IFC, Lúcia coordena um projeto de mapeamento da situação escolar dos alunos surdos, levantando suas necessidades e contribuindo para a melhoria da formação dos professores de Araquari (cidade ao sul de Santa Catarina) e região. A professora, que defende o ensino da Libras nas escolas comuns como segunda língua, observa também a importância de incluir não só o aluno, mas também professores surdos na educação básica. “É importante para o surdo se reconhecer no seu professor e ver nele uma igualdade de condições”, defende.