Tessituras da Educação do Campo

Por Gilda Rodrigues Rocha* | Jornal Letra A 51


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2018, 15:18:00

 
Descobri, vivenciando, que o único caminho que possibilita mudança no ser humano é a educação. Desde que entrei na Licenciatura em Educação do Campo na UFMG, até recentemente, na pesquisa do Mestrado Profissional em Educação do Campo pela UFRB, entendi que a educação precisa ser adjetivada, sendo importante refletir se qualquer educação serve a qualquer projeto de sociedade. Por essa compreensão emancipatória de educação, permaneci na Educação do Campo, pesquisando a formação de professor como potencial na emancipação do sujeito do campo. A Escola Estadual Lídio Almeida – EELA, situada no Distrito de Itapiru, em Rubim (MG), foi objeto e terreno desta pesquisa por ter na sua materialidade de existência questões que desafiam pensar a formação de professores na perspectiva da Educação do Campo. É uma escola que atende 100% de estudantes oriundos do campo, e tem na formação de professores a expectativa de que se reconheçam como sujeitos do campo e escola com sua identidade pautada em princípios da Educação do Campo. Como mobilizar um grupo de educadores de uma escola do campo para que se tornem sujeitos coletivos e participativos nessa construção de Escola do Campo? Foram realizadas quatro oficinas de formação com o grupo de docentes que atuavam na EELA, em 2017, adotando a metodologia da Pesquisa-Ação. Participaram seis educadores do sexo masculino e 18 educadoras do sexo feminino. Foram demandadas oficinas que pudessem discutir com os professores sobre a Educação do Campo de que estamos falando e sobre a escola do campo que queremos construir. 
 
 
A primeira Oficina, intitulada “O território do Vale do Jequitinhonha e a identidade campesina”, teve como objetivo a reflexão sobre a escola em que atuavam e as suas representações sociais. Surgiram depoimentos, como os do educador D.S.J, que orientaram os objetivos das próximas oficinas: o que seria essa Educação do Campo? “Estou aqui pensando... (pausa) que escola é essa? Essa escola tem que vir da veia, sabe? Eu me sinto incapacitado ainda. O que é que nós professores estamos fazendo? Eu me preocupo, mas o que eu tenho feito para, de fato, mudar isso?” O educador pautou a discussão do coletivo que teve como tarefa fazer a representação do Vale do Jequitinhonha (MG).
 
A segunda Oficina de formação, “As trilhas da Educação do Campo, concepções e princípios”, teve como objetivo compreender os processos históricos que constroem a escola do campo. É necessário que não compreendamos a Educação do Campo como sendo uma educação isolada, à parte; na verdade, é importante pensar o todo, o histórico e as condições reais que constroem a escola/educação da classe trabalhadora. Essa discussão foi relevante para que o grupo compreendesse que a formação do educador do campo passa pela escola, logo, que escola é essa? Qual a sua origem?
 
 
A terceira oficina de formação, “Educação do Campo descobrindo e construindo caminhos”, foi o momento de nos assumirmos enquanto sujeitos: afinal, devemos repetir a história ou construir a nossa coletividade em prol de nossa escola do campo? Quando chamado à responsabilidade do fazer coletivo, da participação e da luta pela escola do campo, o grupo se dispôs a contribuir com essa construção de identidade de escola do campo.
 
Para falar da quarta e última oficina de formação, “Encerrando um ciclo e iniciando um longo caminho na construção da Educação do Campo na Escola Estadual Lídio Almeida”, trago um depoimento que ajuda a representar o significado dessa formação coletiva. O educador D.S.J, o mesmo a questionar o que é Educação do Campo na primeira oficina, reflete: “estou aqui agora pensando que no início das nossas oficinas eu queria saber se essa Educação do Campo era para ajudar o menino a ficar no campo ou sair do campo. E agora eu acho que sei a resposta. Eu estou envergonhado por saber tão pouco sobre agronegócio, campo, Educação do Campo. Estou curioso e com vontade de saber mais. Na última oficina aqui você trouxe para nós uma realidade que está aqui debaixo dos nossos pés, um assentamento, uma ocupação e o latifúndio e nós nunca paramos para discutir sobre isso. Agora eu estou começando a trabalhar isso com meus alunos. Entender mais de nós mesmos. Eu acho que já sei para quê e por que Educação do Campo.” 
 
 
Essa experiência traz na sua essência a trama entre a concepção e os princípios da Educação do Campo e a formação de professores, sem perder de vista que o objetivo geral dessa pesquisa era desenvolver a formação docente como estratégia de mobilização para afirmação de escola do campo. Os professores educadores da Escola Estadual Lídio Almeida, que nos mais diversos momentos desta construção demonstraram receio e desconstrução de certezas, desafiam-se a ir além, a trilhar novas construções coletivas na busca constante por emancipação. Repensar o lugar social de cada homem, de cada mulher e de cada educador do campo foi um dos pilares dessa formação de professores da Educação do Campo.
 
*Gilda Rodrigues Rocha – Mestre em Educação do Campo pela UFRB, licenciada em Educação do Campo com habilitação em Língua, Arte e Literatura pela UFMG. Professora da Educação Básica e Assistente Técnico em Educação Básica da rede estadual de Minas Gerais.
 
Fotos: Acervo pessoal de Gilda Rocha.