"Toda literatura oral vem sendo tratada editorialmente como literatura infantil"
Mesa "Arte literária e diversidade" abriu os trabalhos de quinta-feira no Jogo do Livro
Acontece • Sexta-feira, 20 de Novembro de 2015, 12:33:00
Maias, xincas, criollos e garifunas compõem a população da Guatemala. O país, república independente desde 1871, hoje ainda se recupera de quase 40 anos de guerrilhas, encerradas em 1996, quando o país virou foco de muitos projetos de cooperação internacional. Frieda Barco começou sua fala apresentando seu país natal, para explicar que trataria de um contexto muito diferente do Brasil em termos de promoção da leitura. Frieda declara ser a única pesquisadora de literatura infantil e juvenil do país, o que a faz sentir-se às vezes em uma "luta solitária". Em pesquisa, inventariou livros infantis e juvenis do país, chegando a 800 títulos publicados desde o século XIX. Em pesquisa seguinte, inventariou livros de literatura infantil e juvenil indígena, coletando 350 títulos. Mas ainda considera este um resultado incipiente. "Não posso dizer o que é literatura porque não domino a língua. Precisaria dos maias, conversar com eles, assentar bases para começar a discutir." Mas após anos de opressão dos governos aos povos indígenas, ela admite que levar uma proposta acadêmica a eles gera desconfiança e resistência. Segundo ela, diferentemente do que ela observa no Brasil, "o indígena ainda não viu as vantagens de se inserir no sistema". Ao final, já no debate, Frieda usou uma imagem potente para descrever a situação da literatura infantil na Guatemala: "Lá não faz sucesso, não chega à criança. É um mercado de souvenir."
A professora da PUC Minas, docente aposentada da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG, Maria Nazareth Fonseca deu sequência ao falar de uma arte literária "produzida com restos". Tratava especialmente de experiências desenvolvidas em Guiné Bissau. Sobre o trabalho de Ruy Duarte, que pesquisou a "tradição literária que privilegia o ouvir" de vários povos, Nazareth levantou a questão se o material recolhido em pesquisa etnográfica pertenceria ao domínio literário. A questão continuou com a fala sobre a obra de Odete Semedo, especialmente os livros Djênia e Sonéá, que trazem o subtítulo: "histórias e passadas que ouvi contar". Ao final, Nazareth conclui com a ideia de que essas histórias da tradição oral, ao serem recontadas, não se dão de maneira nem linear nem circular, mas espiralada e trouxe o exemplo de um texto que incorpora em sua narrativa a reflexão explícita sobre o direito de (re)contar aquela história que é narrada paralelamente.
Sônia Queiroz, professora da Fale/UFMG, destacou a importância das culturas dos povos de língua banto no Brasil, sendo a Angola o país mais relevante nesse sentido. Segundo ela, a influência africana na cultura brasileira é mais lembrada pelos povos iorubá, o que demanda maior pesquisa sobre as culturas banto e maiores ações para levar esse conhecimento às escolas. Sônia exemplificou como as redes textuais dos dois continentes estão ligadas a partir das narrativas de madrastas. Muitos desses contos da tradição oral, destaca Sônia, já apareciam em livros escolares de leitura do início do século XX. Hoje, a gama de edições que resgatam essas histórias é bem maior, com uma característica comum: "Toda literatura oral vem sendo tratada editorialmente como literatura infantil", ressaltou Sônia durante o debate.
Após a fala das três convidadas, a mesa "Arte literária e diversidade" assistiu a uma quebra de rotina: o professor da FaE e pesquisador do Ceale Josiley Francisco de Souza deixou de lado o microfone e a função de mediador para assumir por alguns minutos o papel de contador de histórias. "Não sei se foi Angola, se foi interior de Minas", começou Josiley, para então narrar a história da menina que foi procurar fio de barba de quibumgo para consertar uma cabaça quebrada.