Troca de ideias: Como levar em consideração diferentes posicionamentos ideológicos na produção de um livro didático?


     

Letra A • Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016, 16:42:00

Sônia Regina Miranda – Professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), coordenou a avaliação do PNLD 2011 na área de História

Temos assistido, ao longo dos últimos tempos, uma grande exposição do campo disciplinar da História ao debate público sobre o que os jovens e crianças devem ou não estudar, contexto em que a polarização ‘verdade’ x ‘ideologia’ segue se impondo, confundindo olhares. Com o aprofundamento das ações legislativas em torno do ‘Programa Escola Sem Partido’, muitos têm escolhido a História como principal exemplo para justificar o quanto é preciso promover uma ação de assepsia nos livros didáticos.

Nesse cenário de debates, em primeiro lugar é importante pensar que o processo de avaliação de obras didáticas não opera como uma Mesa Censória de obras a serem proibidas, tal como ocorrera durante o Tribunal da Inquisição ou nos regimes ditatoriais. Quando lidamos com temas do tempo presente, as opções ideológicas dos autores são consideradas não como elementos a serem interditados, mas como aspectos inerentes à identidade epistemológica da História enquanto campo de conhecimento.

Em segundo lugar, ao contrário daquilo que nos fez crer a historiografia da passagem do século 19 ao século 20 – que buscava o fundamento de uma verdade absoluta e supostamente neutra, que relegava o tempo presente ao abismo de um futuro intangível –, a historiografia desde meados do século 20 reconhece a provisoriedade explicativa e interpretativa como um elemento inerente à dinâmica desse conhecimento. Aquele projeto de neutralidade, todavia, encontra-se ainda plasmado em boa parte dos argumentos presentes hoje na mídia, em tentativas de desqualificar a avaliação das obras didáticas de História, apresentando, nesse sentido, uma construção discursiva baseada entre os polos ‘doutrinação’ x ‘informação objetiva do passado’. Portanto, o reconhecimento da dimensão de implicação social do conhecimento como estruturante da consciência histórica impõe-se como uma temática ainda a ser enfrentada pelo debate público. Isso autoriza trazer para a cena do debate histórico o tempo presente, com suas aberturas e variedades de visão, sendo considerado como um elemento formativo tão importante quanto a correção de informações e conceitos em torno do passado. 

 

Luciana Mariz – mestre em Estudos Linguísticos pela Faculdade de Letras da UFMG, é autora e foi avaliadora de materiais didáticos

A produção de um livro didático (LD), em qualquer disciplina e para qualquer segmento da educação básica, pressupõe o entrecruzamento de diferentes expectativas e olhares. Autores, editoras, MEC, professores e alunos fazem parte desse complexo universo.

Documentos oficiais, como os PCN, preconizam, entre outros objetivos, que nossos alunos sejam capazes de se posicionar, de forma crítica e construtiva, em diferentes situações sociais e o LD, muitas vezes o principal material utilizado nas escolas, deve contribuir para isso, apresentando, de forma pertinente e sistemática, diferentes posicionamentos ideológicos que possibilitem visualizar, abordar, discutir, questionar a diversidade cultural, social, econômica, política, religiosa da nossa sociedade.

Na confecção de um LD de Língua Portuguesa (LDP), só para citar um exemplo frequente, um dos momentos privilegiados para se apresentar e discutir diferentes posicionamentos ideológicos é a exploração de gêneros textuais de natureza argumentativa, como artigos de opinião, resenhas críticas, editoriais, anúncios publicitários... É fundamental que as atividades de leitura e de escrita possibilitem aos discentes refletir e perceber que um mesmo tema pode apresentar, muitas vezes, posicionamentos diametralmente opostos.

O trabalho com textos argumentativos em um LDP é apenas uma das inúmeras possibilidades de se abordar diferentes perspectivas ideológicas em sala de aula. Uma das funções essenciais de um LD, em qualquer disciplina, deveria ser a de tornar cada vez mais claro para os alunos que usar a língua implica assumir um posicionamento ideológico, ainda que ele possa parecer “natural”, e que não existe neutralidade nos discursos que circulam em nossa sociedade em qualquer esfera. Em tempos de “escola sem partido”, essa discussão nunca foi tão necessária.