Troca de ideias: Como podemos pensar de forma menos polarizada a discussão entre tradição e inovação na alfabetização?

Letra A 51


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2018, 15:52:00

 

Telma Ferraz Leal – professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Para falar sobre a polarização entre tradição e inovação, precisamos, inicialmente, desconstruir a ideia de que qualquer inovação é necessariamente favorável à aprendizagem. Por exemplo, o uso de computadores pode ser considerado uma inovação, mas muitas atividades propostas podem ser repetitivas e pautadas na memorização de palavras. Mais importante do que dividir as práticas em tradicionais e inovadoras, é entender os pressupostos que estão subjacentes às práticas.

O que se quer é uma alfabetização em que as crianças possam refletir sobre o funcionamento do Sistema Alfabético de Escrita de modo articulado ao desenvolvimento de estratégias de produção e compreensão de textos? Então, é necessário adotar estratégias didáticas em que os estudantes tenham que compreender o sistema de escrita, produzir textos para atender a diferentes propósitos e ler para atender a diferentes finalidades. Se o que se quer é mais que isso, almejando que os estudantes leiam e escrevam para se apropriarem de conhecimentos importantes para a vida e possam atuar em diversas situações sociais, de modo crítico e ativo, então se torna necessário vivenciar um ensino em uma abordagem interdisciplinar e propor finalidades para a leitura e a escrita que desafiem os estudantes a interagir com pessoas que não estão no cotidiano da sala de aula.

É importante, também, perceber que a inovação pode ocorrer no âmbito da seleção dos objetos e objetivos de aprendizagem e/ou no tipo de atividade que se escolhe. Mas também a inovação pode estar no modo como as mediações acontecem.Um professor pode realizar uma atividade potencialmente problematizadora, mas não favorecer as reflexões por adotar posturas diretivas. Por exemplo, pode utilizar uma atividade interessante, mas não propiciar reflexões durante sua realização, por não possibilitar a construção coletiva dos saberes ou mesmo apresentar respostas prontas às questões.

Enfim, classificar os professores em tradicionais ou inovadores não contribui para que eles possam efetivar um ensino pautado em pressupostos problematizadores, reflexivos, para a formação de sujeitos críticos e ativos na sociedade. É preciso garantir o tempo para a formação continuada centrada no estudo e planejamento coletivo, para que os docentes possam superar dificuldades e definir os objetos de ensino, as estratégias didáticas e os modos de mediação com autonomia.

 

Isabel Cristina Alves da Silva Frade – professora do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do Ceale.

Para entender tradição e inovação na alfabetização, temos que pensar num quadro geral que ajude a avaliar por que determinadas práticas permanecem e por que outras acabam mudando. Um tipo de pensamento que desconfie da `inovação pela inovação` ajuda os educadores a não caírem num tipo de mistificação pedagógica do novo.

Até meados do século XIX só havia um método para alfabetizar: o alfabético. Até esse período, eram inventadas, com esse mesmo método, formas de transmissão que funcionavam em casa. Quando isso se transfere para a escola, o método que tem relativo sucesso para um não funciona para todos. É por isso que a questão dos métodos de alfabetização ganhou corpo junto com a escolarização das massas: para funcionar, um método tem de ser passível de implementação em condições escolares do momento.

No entanto, os métodos de alfabetização têm de ser associados a outros métodos. Quando o direito à escola se disseminou, pode ter permanecido ou mudado algum método. No entanto, esse método teve de ser articulado à organização do ensino. Entre os métodos de ensino que repercutiram na alfabetização, herdamos o simultâneo (século XIX), que adota a lógica de ensinar os mesmos conteúdos a todos, no mesmo lugar, ao mesmo tempo. Embora pareça que possamos mudar aspectos mais próprios da alfabetização, essa condição estrutural não permite muitas mudanças. Por outro lado, uma mudança estrutural recente que abriu muitas portas para mudanças na alfabetização foi a do ensino fundamental de nove anos e a consolidação da concepção de ciclo, de capacidades desse tempo e sua progressão.

No que tange aos aspectos internos à alfabetização, mesmo com muitas mudanças nos métodos, analisamos que todos tiveram que enfrentar a questão da análise do sistema de escrita alfabético, ou seja, sua faceta linguística. Assim, essa é uma permanência inegável, mas muda quando pensamos em como ensinar com as concepções de sujeitos, aprendizagem, textos, leitura, usos da escrita, suportes e o sistema de escrita. Assim, temos movimentos de mudança e de permanência convivendo. 

A década de 80 foi emblemática das divisões entre ser tradicional e ser construtivista na alfabetização. Essa polarização colocou o tradicional como problema e a inovação como solução; a aprendizagem espontânea e a dirigida em oposição; o sujeito da alfabetização como mais importante que o objeto e o ensino.

Por outro lado, se temos essas disputas no campo teórico e dos discursos, não podemos e nem devemos entender que os professores acompanhem esses mesmos movimentos em suas práticas. Eles têm várias razões para mudar e para conservar. Se queremos maior abertura dos professores alfabetizadores para mudanças necessárias, precisamos dialogar, de fato, com sua lógica de ação, pois a simples oposição não ajuda na interlocução e promoção de mudanças.