Troca de Ideias: O ensino de histórias indígena e africana na educação básica avançou na última década?
Letra A • Quarta-feira, 27 de Julho de 2016, 10:48:00
Nilma Lino Gomes - Ministra das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (a coluna foi enviada em 18 de abril)
A aprovação das Leis que tornam obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas de Ensino Fundamental e Médio representa uma resposta do governo federal à reivindicação dos movimentos sociais e, em especial, do movimento negro, na luta pela igualdade racial e superação do racismo.
Reconhecemos que a Lei 10.639, de 2003, que estabelece o ensino da história e cultura afro-brasileira, e a Lei 11.645, que inseriu, em 2008, as populações indígenas, ambas alterações da Lei 9394/96, ainda enfrentam dificuldades na sua implementação, mas não podemos deixar de reconhecer que sua aprovação tem causado impactos e inflexões na educação escolar brasileira, que se expressam nas ações do Ministério da Educação e dos sistemas de ensino. Esses resultados estão refletidos na formação dos docentes; nas novas possibilidades de pesquisas sobre relações raciais no Brasil, com maior visibilidade à produção de intelectuais negros sobre o tema; na ampliação da consciência dos educadores de que a questão étnico-racial envolve toda a sociedade brasileira, não se restringindo a grupos específicos, e no entendimento dessa questão como um direito legítimo.
A escola é, sem dúvida, o ambiente mais adequado para esse debate e a legislação surge como uma forma de construir e colocar em prática uma pedagogia da diversidade, permitindo que o conhecimento seja disseminado sob uma nova narrativa e sem os estereótipos que sempre acompanharam os grupos étnico-raciais contemplados pela Lei.
Portanto, por mais que o cumprimento da legislação esteja aquém do esperado, a medida trouxe avanços importantes ao pluralizar o currículo escolar, possibilitando que esses grupos, até então abordados sob o ponto de vista dos colonizadores, sejam vistos sob outra perspectiva, articulando o respeito e o reconhecimento à diversidade étnico-racial.
Minha expectativa, como educadora, é que o caráter emergencial dessa medida de ação afirmativa dê lugar ao seu total enraizamento como Lei Nacional, passando a integrar a política educacional brasileira e deixando de ser considerada uma legislação específica.
Leonardo Machado Palhares - professor de História do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais - Campus Almenara (IFNMG-Almenara) e presidente do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígenas (NEABI- IFNMG-Almenara).
Antes de abordar os possíveis avanços dessas temáticas no espaço escolar, é importante destacar que temos hoje uma discussão que não nasceu na academia, mas nos movimentos indígenas e nos movimentos africanos e afro-brasileiros.
Destacamos a relevância da Lei 10.639/03, que, embora não tenha trazido algo essencialmente novo no Ensino de História, instituiu uma obrigatoriedade da abordagem de conteúdos sub ou equivocadamente representados – como a história e cultura africana e afro-brasileira. Essa lei é fruto, sobretudo, de pressões sociais sobre o poder público e também de inclusões de legislação similar em currículos estaduais e municipais no Brasil. A Lei 11.645/08 foi promulgada cinco anos depois, modificando a lei anterior com a inclusão da obrigatoriedade do ensino de história indígena (para escolas não-indígenas). O que essas leis colocaram em questão foi o direito à memória como chave para compreensão do lugar da História e Cultura Africanas, Afro-brasileira e dos Povos Indígenas na História do Brasil.
A ampliação das produções acadêmicas sobre essas temáticas, seja nos departamentos de História, Educação, Letras e Artes, seja em estudos sobre a produção de conhecimento técnico, rompe com marco eurocêntrico e busca compreender a História e Cultura das Áfricas, dos Afro-Brasileiros e dos Povos Indígenas a partir de suas próprias perspectivas histórico-culturais.
Apesar dos avanços na conquista do direito ao estudo de suas histórias e culturas nos espaços acadêmicos e da escola básica, o lugar da história indígena e africana na educação básica tem muito a avançar. A dominância de estudos que partem da visão do outro na ótica ocidental europeia limita a ampliação da percepção dos outros, ou seja, daqueles que não controlam o discurso oficial. Já há produção da historiografia brasileira forte o suficiente para matizar esse discurso e definir novos rumos para a história ensinada sobre nós e sobre os outros que nos formam.
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