Troca de ideias: O que significa a tradução no ensino para surdos?
Carlos Henrique Rodrigues, professor da UFSC, e Elidéa Bernardino, da UFMG, respondem à questão
Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 15:45:00
Carlos Henrique Rodrigues - Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisador do Grupo de Pesquisas em Interpretação e Tradução de Línguas de Sinais
Os surdos, singularizados pela diferença linguístico-cultural, possuem uma língua gesto-visual e uma experiência cultural cunhada na visualidade. Essa diferença traz à tona diversas questões referentes às línguas e aos seus lugares no ensinoaprendizagem. O debate em torno da centralidade da língua de sinais no desenvolvimento da linguagem da criança surda e, por sua vez, em sua escolarização, tem ampliado e ressignificado o espaço da tradução na educação de/para/com surdos (RODRIGUES; SILVÉRIO, 2013).
Podemos ponderar, então, que a atribuição/interpretação de significados envolve a tradução, seja ela realizada por meio de signos da mesma língua, de signos de outra língua ou de sistemas de símbolos não verbais (JAKOBSON, 1975). A tradução acontece no universo da linguagem: envolve línguas e outros sistemas semióticos, aspectos sociais e culturais, que caracterizam o processo de ensinoaprendizagem.
Ensinar e aprender são lados justapostos do ato de traduzir. Assim, a interação entre línguas e linguagens e o exercício ininterrupto de lidar com o novo e compreendê-lo fazem da tradução uma presença constante, mas, muitas vezes, invisibilizada socialmente. Portanto, não basta que se considere a tradução da/para língua de sinais como fundamental à educação de surdos; é necessário que professores e intérpretes sejam capazes de traduzir da e para a linguagem dos surdos para que o ensinoaprendizagem aconteça.
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino – Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora do Núcleo de Libras da Faculdade de Letras
Ao pensarmos na tradução para o surdo profundo pré-lingual, usuário da Língua Brasileira de Sinais (Libras), precisamos primeiramente conhecer o sujeito para o qual essa tradução se destina. Porque uma coisa é traduzir conteúdos – desde a Educação Básica até a Superior – para aqueles oriundos de famílias ouvintes, que, ao entrarem na Educação Infantil, “têm de aprender”, quase ao mesmo tempo, a Libras e o português. Outra coisa é traduzir para surdos que têm acesso a uma língua estruturada desde o nascimento: sejam esses surdos que têm pais surdos ou aqueles que conseguem adquirir uma língua com a ajuda de pais ouvintes ou escolas que se dedicam a colocá-los em contato com a língua de sinais desde cedo – ou, ainda, pais que se dedicam a ensinar-lhes a língua oral (e a criança consegue efetivamente adquirir essa língua, principalmente na forma escrita, o que é raro, mas não impossível). Existem ainda os surdos pós-linguais, ou seja, aqueles que adquiriram o português na infância e ensurdeceram.
A tradução Libras/português, de qualquer forma, é essencial para que o sujeito surdo tenha acesso aos conteúdos educacionais – na sala de aula ou na tradução dos materiais didáticos. É importante considerar que a escola ainda não está preparada para educar o aluno surdo como ele realmente precisa ser educado. O ideal seria que todos os seus professores fossem sinalizadores proficientes, capazes de ensinar-lhe o conteúdo das aulas sem a necessidade desse profissional que, por vezes, não tem a formação adequada. A questão é que os surdos – felizmente – estão chegando à universidade e entrando em cursos que antes da Lei de Libras não lhes era possível. O problema é que o vocabulário da língua não possui sinais para os novos conceitos aprendidos, e esses precisam ser “negociados” entre o intérprete e o aluno, até que sejam criados glossários específicos das áreas.
O papel do tradutor/intérprete é, então, essencial. Além de ser o elo entre duas línguas ou entre dois mundos, ele é aquele que possibilita a inclusão do surdo e o reconhecimento do seu valor pela sociedade.