Troca de Ideias: Poesia se ensina?


     

Letra A • Quarta-feira, 20 de Abril de 2016, 16:03:00

Sergio Capparelli – Escritor, quatro vezes vencedor do Prêmio Jabuti, editor da revista eletrônica de poesia infantil Tigre Albino - tigrealbino.com.br

Ensinar poesia comporta muitos sentidos. Uma mãe que lê um poema para o filho pequeno ensina poesia? O aluno que lê um poema em voz alta na escola ou em casa aprende poesia?

Ensinar poesia significava, até poucos anos atrás, recitação obrigatória de poemas na escola. Agora, não mais. Aos poucos o verbo “ensinar” foi enriquecido. Passou a significar, de um lado, ler poesia e, do outro, escrever poesia.

Para abarcar os extremos, os professores deram muitos passos.

O primeiro foi desfazer o estereótipo de que poesia são “sonhos belos expressos através de rimas”.

O segundo passo foi contextualizar a poesia, que é linguagem antes de tudo, no interior da linguagem literária.

O terceiro, desenvolver atividades de leitura de poesia, abolindo a declamação obrigatória.

O quarto, criar atividades para que os alunos aprendam a ouvir poesia.

O quinto, escrever poesia.

Os quatro primeiros passos se revestem de uma discussão às vezes profunda, às vezes amena, dos componentes do poema, como versos, estrofes, figuras, ritmo, imagens, sonoridade, movimento etc.

Na história recente do Brasil, mais e mais escolas e professores interessaram-se pela poesia, que em muitos casos passou a integrar o currículo escolar. As editoras e as livrarias voltaram-se então para o tema, mas com outros objetivos, integrando-se ao circuito do ensino de poesia através da oferta de livros. Até governantes demonstraram interesse, criando programas especiais para levar poesia e livros às escolas.

E o quinto passo, o de ensinar a escrever poesia? Parece que ensinar poesia e ensinar a escrever poesia são frutos de uma bifurcação do tema. Parece também que mais na frente os dois caminhos divergentes podem convergir de novo, misturando-se. Mas fica a sensação de que é muito difícil (até mesmo impossível) ensinar alguém a escrever uma poesia, por se tratar de algo pessoal e íntimo. Quando muito, alguém pode orientar um estudante no seu trabalho de criação, senão o verbo “ensinar” sofre um curto-circuito.

 

Maria da Glória Bordini – professora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora convidada do Programa de Pós-graduação em Letras da mesma instituição

Poesia se ensina, mas depende do que T. S. Eliot chamava de talento individual.  No plano do Ensino Fundamental e Médio, bem como no Ensino Superior, em nível de graduação, em geral não se ensina a escrever poesia. Quando acontece, o que pode ser ensinado é a gramática da poesia, ou seja, as regras historicamente instituídas que levam os leitores a identificar um texto como sendo um poema. Isso implica noções de métrica, estrofação, rima, imagens, formas e estilos poéticos. Esses elementos podem ser ensinados em qualquer nível, mas não garantem que o resultado seja poético. Para que a poesia se instale no texto, não há fórmulas nem receitas. Ela requer domínio das palavras e dos sentidos que adquirem na vizinhança com outras palavras; sentimento do ritmo que impulsiona os versos ou a frase poética; ouvido agudo para as sonoridades; imaginação poderosa que desvende algo apenas adivinhado ou sonhado. Por isso, poetas que alcançam efeitos poéticos são raros, ultrapassam o seu tempo e muito trabalham a linguagem. E também por isso Drummond afirmava que “Lutar com palavras é a luta mais vã. / Entanto lutamos mal rompe a manhã”.

Ensinar a ler poesia já é outra coisa. Essa habilidade pode ser desenvolvida desde a infância e desdobrar-se pelos anos escolares, até depois da universidade. É evidente que em cada estágio o ensino da leitura do poema se torna mais complexo. De início, a questão é aprimorar o ouvido para as sonoridades e suas repetições, o que a criança consegue ao ouvir poemas desde pequena. Num segundo momento, cabe marcar ritmos e perceber seus retornos, constituindo os versos. Perceber as pausas e a função dos silêncios já exige um pouco mais de maturidade, assim como as imagens. No Ensino Médio, noções de versificação podem ser incluídas, mas a leitura de grandes poetas é que constrói o gosto pelo poético. No Ensino Superior, aprofundar teórica e historicamente as leituras dos alunos é essencial para formar professores de literatura capazes de ler poesia em sala de aula.

Vê-se que, se a poesia não pousa em qualquer texto, pode-se aprender a observar seus voos. O indispensável, tanto para produtores quanto para consumidores, é muita leitura de poesia, nacional e internacional. Para os poetas, a fim de que encontrem a sua clave pessoal. Para os leitores, para que consigam diferenciar os “talentos individuais”.