Troca de Ideias: Qual a ênfase a ser dada no ensino de Matemática nos anos iniciais?


     

Letra A • Quarta-feira, 12 de Agosto de 2015, 18:32:00

Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca – Professora da Faculdade de Educação da UFMG; coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG

Não é raro ouvirmos docentes, estudantes, pais, gestores e mesmo jornalistas e economistas que se arvoram “especialistas em educação” dizerem que “o que importa no Ensino Fundamental é Português e Matemática”. Esse reducionismo nas práticas de conhecer a serem disponibilizadas no Ensino Fundamental, em geral, é justificado por uma alusão pouco fundamentada ao uso social desses conhecimentos na vida cotidiana. Essa explicação, porém, é facilmente contestável pelo distanciamento entre as práticas escolares de leitura, escrita e matemática e as práticas cotidianas que requerem e instituem modos de lidar com escritas e leituras, quantificações, medições, organização de formas e espaços, ou classificações e tratamentos da informação.

Outro argumento recorrente é que esses conhecimentos seriam a base para o desenvolvimento nas outras matérias escolares. Mas assim se sacrifica a abordagem dessas outras matérias para se garantir um pré-requisito, que pode, por isso mesmo, jamais ser requisitado. Parece que já estamos tão acostumados a conceber como “verdade” a necessidade da priorização dessa “dupla” no Ensino Fundamental, que já não nos dedicamos a refletir sobre suas razões e ao exercício de questioná-la.

Com efeito, se as práticas escolares de letramento e numeramento nem sempre se aproximam das práticas cotidianas, isso não acontece porque a vida social não nos oferece ou mesmo impõe oportunidades para isso. Pelo contrário: escrita e quantificação permitem o registro, o controle e a previsão, valores que são muito caros à nossa cultura e que se impõem nas nossas mais diversas atividades por sua produtividade, mas também pelas relações de poder que ajudam a instaurar e manter.

Portanto, “Português e Matemática” permeiam nossas práticas cotidianas e dão mesmo suporte aos nossos modos de instituir, praticar, apreciar e utilizar ciências, esportes ou artes. O que cabe questionar, porém, é se nossos estudantes terão condições de desfrutar da contribuição desses conhecimentos para sua vida escolar, profissional, social e pessoal; se tais conhecimentos lhes são disponibilizados de maneira desconectada das práticas genuínas de ler, escrever, medir, classificar, comparar ou organizar, que muitas vezes poderiam ser oportunizadas na abordagem de outros conhecimentos e em situações diversificadas de uso efetivo, de investigação curiosa, de interpelação coerente, ou de puro deleite.

 

Emerson Rolkouski – Professor da Universidade Federal do Paraná; um dos organizadores dos Cadernos de Matemática do Pnaic

Em 2012, a presidenta do Brasil lança o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Naquele momento, a mídia repete o slogan do lançamento, definindo que a meta do programa é “ensinar a ler, escrever e a resolver as quatro operações matemáticas elementares” até os 8 anos de idade. Lamentavelmente, esse discurso legitimou a frase que se tornou uma espécie de mantra na sociedade, em particular, quando se trata dos anos iniciais: a escola deve “ensinar a ler, escrever e a fazer continhas”. Uma pequena alteração para “ensinar a ler, escrever e a resolver problemas matemáticos elementares” seria suficiente para alterarmos esse ideário tão prejudicial para o letramento de nossos alunos.

A ênfase, portanto, deve ser a resolução de problemas. Mas isso ainda diz pouco, pois o ideário imediatamente vincula a resolução de problemas ao campo da aritmética e, novamente, há prejuízos. A resolução de problemas deve ser entendida em um sentido amplo, abordando aspectos do pensamento geométrico, algébrico, aritmético e estatístico.

Por outro lado, há, sim, um importante aspecto que não deve ser perdido de vista: o objetivo principal dos espaços educativos. A resolução de problemas dentro desses espaços deve ampliar a capacidade de leitura do mundo, no sentido mais amplo da palavra leitura. Toda vez que lemos um texto com informações numéricas, observamos que, para uma compreensão desse texto, não basta decodificar os números ali expostos. É necessário perceber a ordem de grandeza desse número para dar sentido ao que estou lendo, bem como estabelecer uma quantidade razoável de relações entre números que estão e que não estão explícitos no texto, mobilizando aritmética e álgebra. Ao observar um quadro em um museu, o conhecimento de noções geométricas ampliam meu grau de compreensão e de deleite. Ao me deparar com informações presentes em tabelas, gráficos e infográficos, o pensamento estatístico é necessário para o seu entendimento.

Ainda que no slogan figurem “as quatro operações matemáticas elementares”, o material de formação do Pnaic, distribuído a mais de 300 mil professores e disponível online gratuitamente, ressalta que apenas isso é uma pequena e não a mais importante parte do que desejamos como educadores matemáticos para nossas crianças, na busca de uma sociedade de leitores plenos.