Um novo olhar sobre a Matemática

A partir de uma formação que valorizou suas práticas e conhecimentos prévios, os professores puderam experimentar a Matemática como forma de observar e compreender o mundo. O Letra A conversou com diferentes participantes do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e traz um balanço do segundo ano do programa


     

Letra A • Quinta-feira, 13 de Agosto de 2015, 15:44:00

Por Eliza Dinah

Como ensinar a criança a pensar matematicamente se, nos seus tempos de escola, o professor recebeu uma formação voltada para “aprender a fazer contas”? Os cursos de Pedagogia, por sua vez, ainda dedicam pouca carga horária ao campo da Educação Matemática, o que, por décadas, vem fazendo dessa disciplina fonte de grande receio e desinteresse nos anos iniciais do Ensino Fundamental. “A experiência com a Matemática nem sempre foi boa, os professores não tiveram essa vivência, enquanto foram alunos, de pensar e resolver problemas matemáticos”, afirma Luciana Tenuta, supervisora de Matemática do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) na UFMG. Em seu segundo ano, o programa do Ministério da Educação (MEC) teve foco na tão temida disciplina. Oferecer uma formação de base nessa área aos professores e despertar seus olhares para o fato de que a Matemática está em todos os lugares foi o desafio assumido por 5.497 municípios e 39 universidades públicas, mobilizando mais de 300 mil alfabetizadores em todo o país.

“Por ser uma das primeiras formações estruturadas que esses professores alfabetizadores receberam na área de Matemática, percebemos que, na prática, funcionou como uma formação inicial”. A afirmação é da coordenadora-geral do Pacto na Universidade Federal do Tocantins (UFT), Daniela Campos. Ela conta que o encontro entre os professores cursistas e o grupo do Pnaic na Universidade levou à construção conjunta de novas metodologias, podendo-se falar até mesmo na descoberta deza e Cioltando-se agora paara  todo o Brasil e teve como um dos cac uma nova forma de ensinar Matemática nos anos iniciais. “Eles ainda tinham um trabalho que explorava pouco o corpo e os conhecimentos prévios das crianças e trabalhavam uma metodologia que já está muito ultrapassada, mas que ainda era a realidade aqui no estado”, explica. Daniela avalia que o segundo ano do programa (que, além da Matemática, também teve um complemento em Língua Portuguesa) promoveu uma formação continuada ainda mais contagiante que a do primeiro, pois os cursistas perceberam “como a Matemática pode ser mais envolvente, mais prazerosa, mais significativa”. “Nesse sentido, o Pnaic foi uma revelação”, conclui Daniela.

 

Aprendizado em rede

Para que o conhecimento construído nas formações atingisse seu objetivo final, a melhora no aprendizado dos estudantes do ciclo de alfabetização, o Pnaic contou com uma grande equipe dividida em vários papéis e funções, envolvendo coordenadores, supervisores e formadores nas universidades, orientadores de estudo e professores cursistas nas escolas e os coordenadores locais nas redes de ensino municipais e estaduais. Para a coordenadora de formação continuada de professores do MEC, Mirna França Araújo, essa articulação entre as universidades públicas e as escolas de educação básica no programa é um ponto que merece destaque, “uma vez que tem propiciado o debate sobre as licenciaturas, bem como uma melhor compreensão da prática pedagógica do professor e das metodologias de trabalho nas unidades escolares”.

Pela estrutura da formação continuada do Pnaic, o formador (pela Universidade) e o orientador de estudos (pelas escolas) são importantes agentes da formação. Mas, como relata a supervisora da área de Matemática na UFMG Heloisa Borges, as trocas de informações e experiências iam e vinham de todos os grupos da formação. “Em nossa área, cada supervisora ficava responsável por acompanhar diretamente 4 formadores, mas nossas reuniões eram todas em conjunto e havia diálogo e contribuição de todos”, comenta. Para a formadora de Língua Portuguesa Rosemeire Reis, que também já atuou em outros programas de formação como o Pró-Letramento, o processo de ouvir os professores e entender as particularidades do ensino em cada sala de aula foi um dos maiores ganhos do programa. “A diferença dessa formação foi encarar de fato o professor como um sujeito que tem saberes.”

 

A prática: ponto de partida e de chegada

Os encontros foram realizados dentro de uma dinâmica sugerida pelo MEC. Os professores iniciavam seus trabalhos com a leitura deleite: momento para desfrutar da literatura. Após essa etapa, era o espaço para apresentações através de dinâmicas, vídeos, slides, relatos etc. As atividades eram feitas com o objetivo de evitar a criação de um ambiente onde o professor deveria apenas ‘absorver’ conteúdo, como reforça Eliane Azevedo, orientadora de estudos de Itaúna (MG): “Houve todo o cuidado de não ser só um repasse de teoria, dando espaço para os professores falarem da prática deles”.

Segundo o formador Diogo Faria, a ponte entre teoria e prática guiou toda a formação, o que favoreceu o grande envolvimento de orientadores e professores. “A gente começava sempre com dinâmicas, com vídeos, com depoimentos. Mostrava a prática, mas mostrava que a teoria também é importante”, relata. Para esse trabalho, os formadores buscavam valorizar aquilo que os próprios professores já desenvolviam em sala de aula, pedindo para que eles trouxessem exemplos de atividades e projetos para os encontros. E o trabalho era feito sobre isso: em vez de apenas modificar essas atividades ou sugerir novas, buscava-se perceber as potencialidades ali existentes. “Além disso, a gente levava outras atividades, para eles perceberem os múltiplos olhares, as múltiplas possibilidades que eles podem fazer em sala de aula”.

A valorização da experiência dos professores também teve lugar nas formações de Trindade (PE). Como os encontros eram aos sábados, a orientadora Samária Mércia Bega conta que as professoras de sua turma mantinham contato intenso no decorrer da semana, para pedir opinião ou contar sobre uma nova atividade. “Quando a gente relatava que alguma delas fez um trabalho de determinada maneira, as outras se empolgavam e queriam fazer também”, conta. Além disso, a troca de informações também era grande com os demais orientadores do município, que compartilhavam experiências dos cursistas e refletiam conjuntamente sobre seu desenvolvimento ao longo da formação. Para que a dimensão prática não se perdesse, Samária conta ainda que o grupo de orientadores sempre buscava materiais extra: “atividades, vídeos do YouTube ou materiais de outros sites, a gente sempre levava novidades simples e atrativas, que os professores não deixariam de fazer por falta de material ou pelo custo”.

 

O Pacto continua

Com continuidade garantida, as atividades do terceiro ano do Pnaic se iniciam em agosto, contemplando agora as áreas de Arte, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Para a sequência do programa, o MEC realiza uma avaliação do processo de formação, via Sispacto (ver Sispacto: acompanhamento e diálogo). Além desse espaço virtual, o Ministério também se vale do diálogo com as universidades formadoras como importante ferramenta para planejar a sequência do Pacto. “Com elas é possível identificar as especificidades locais e potencializar estratégias de atendimento que contemplem os objetivos do programa”, ressalta a coordenadora de formação continuada do MEC, Mirna França Araújo.

Enquanto as formações de 2015 não se iniciam, a formadora de Matemática da UFMG Paula Reis chama a atenção para a importância de manter ativas as reflexões já suscitadas pelo Pnaic, ao afirmar que “o maior desafio é continuar uma formação”. “Não somente uma formação coletiva, como a proposta pelo Pacto, mas uma formação individual, de professores e de alunos, para realmente acontecer o aprendizado da Matemática”. Nesse sentido, Paula Reis destaca a importância de as instituições continuarem estimulando e fomentando esse processo formativo e de também voltarem seu olhar para os alunos fora do ciclo de alfabetização, aquele contemplado pelo Pnaic. A formadora acredita que o primeiro passo fundamental já foi dado: “Foi quebrada a ideia de que a Matemática é para poucos. A área passou a ser vista como uma ciência para todos.”

 


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