Inovações pedagógicas na alfabetização

“Inovar” no campo do ensino da leitura e da escrita pode parecer uma solução diante da dificuldade que é até hoje conseguir alfabetizar todos ao mesmo tempo e de forma igual. Mas, justamente por ser uma tarefa complexa, pesquisadores alertam para a fragilidade do discurso de inovação como ‘resolução’


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2018, 14:32:00

 
Por Natália Vieira
 
Para ser um bom professor, é necessário ter conhecimento aprofundado dos conteúdos trabalhados, ter domínio de sua didática e proposta pedagógica e acompanhar novas demandas sociais que impactam a escola. Mas, muitas vezes, o professor também é cobrado a “inovar” para resolver dificuldades de aprendizagem dos alunos ou mesmo para criar soluções que atendam a todos e melhorem os índices de aprendizagem. Apesar de o discurso de “inovação” ser atraente, muitos pesquisadores se preocupam com sua valorização. Para o professor da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Edgar Kirchof, há um fetiche em torno da inovação. “Esse fetiche é produzido pela cultura que a gente vive. Vivemos dentro de uma sociedade capitalista e ela produz uma cultura voltada para o consumo, para o espetáculo e para a performatividade. E o novo é um valor por excelência. O que é novo é ‘bom’”, analisa Edgar.
 
A professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) Maria do Rosário Mortatti aponta que a palavra ‘inovação’ vem sendo utilizada, nas últimas décadas, sobretudo em contextos empresariais, com o objetivo de elaborar novas ideias que resultem em renovação de padrões de produção visando ao lucro. Para a professora, a ideia também está cada vez mais sendo utilizada no âmbito da pedagogia “para indicar a necessidade de sistematicamente (re)introduzir novidades, para corrigir problemas e melhorar o desempenho de estudantes e sistemas de educação, visando à eficácia e à competitividade em rankings internacionais.”
 
Segundo Isabel Frade, é preciso distinguir o que é inovação na alfabetização propriamente dita de inovações que ocorrem no quadro geral da pedagogia, e de mudanças mais amplas que vêm das finalidades da educação advindas da sociedade e impactam a escola. Nos tópicos a seguir, haverá cruzamentos dessas dimensões, indicando que alfabetização não vem isolada. 
Inovação na pedagogia
O conceito e uso do termo “inovação” na pedagogia e, mais especificamente, na alfabetização, não é consenso. A professora universitária francesa Anne-Marie Chartier, referência na área, faz uma distinção entre “mudanças pedagógicas” e “mudanças didáticas”, explica a professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Cancionila Cardoso: “para ela, as mudanças didáticas são aquelas ocorridas nas definições de conteúdos a serem ensinados; as mudanças pedagógicas são as que se relacionam à organização do trabalho pedagógico, às formas de aprendizagem, à concepção de avaliação, ao registro das trocas adulto-criança.”
 
Para a professora do Instituto Vera Cruz Telma Weisz, o termo ‘inovação’ está “muito associado a uma coisa tecnológica e à tendência”. Telma prefere pensar em “avanços no ensino da leitura e da escrita”para discutir mudanças na alfabetização. Independentemente do uso do termo, o que todos os professores entrevistados para este Em Destaque têm como posição comum é o cuidado em não polarizar “inovação” e “tradição”. 
 
O professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Artur Gomes de Morais alerta para “tomarmos consciência de que muito do que nos é apresentado como inovação pouco ou nada tem de novo. São antigas e conhecidas formas de educar que agora aparecem camufladas, disfarçadas.” Por isso, o Letra A buscou nesta matéria fazer um resgate histórico por marcos de discussões pedagógicas da alfabetização e, para além de afirmar se foram ou não inovação, tentar desmitificar a ideia de que a inovação é a superação do passado.
 

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