Inovações pedagógicas na alfabetização | parte 2


     

Letra A • Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2018, 14:41:00

 
Os primórdios da alfabetização no país e a questão dos métodos
A instauração da República no Brasil teve repercussões no projeto educacional e na alfabetização. Com isso, as práticas de leitura e escrita foram escolarizadas, como projeto do regime republicano visando à formação do cidadão e ao desenvolvimento político e social do país. “A partir dos anos de 1930, a educação e, em particular, a alfabetização, passaram a integrar políticas e ações dos governos estaduais, como áreas estratégicas para a promoção e sustentação do desejado desenvolvimento nacional”, explica a professora Maria do Rosário, historiadora da alfabetização.
 
Ela afirma que, ao longo desse processo, a alfabetização e o ensino da língua “se tornaram o principal índice de medida e testagem da eficiência da escola pública, laica e gratuita”. Com isso, disputas foram surgindo visando a enfrentar as dificuldades das crianças em aprender a ler e escrever. A face mais visível dessas disputas está, a professora afirma, na "querela dos métodos": “ou seja, na disputa em torno do método de ensino inicial da leitura (e escrita), considerado ‘novo’ e melhor, em relação ao ‘antigo’ e ‘tradicional’”. 
 
A professora propõe quatro “momentos cruciais”, cada um marcando um “novo” sentido à alfabetização. No primeiro momento, de 1876 a 1890, ocorre disputa entre os partidários do "novo" método da palavração e os dos "antigos" métodos sintéticos (alfabético, fônico, silábico). O segundo momento, de 1890 a meados dos anos de 1920, caracteriza-se pela disputa entre defensores do "novo" método analítico e os dos "antigos" métodos sintéticos. 
 
O terceiro, de meados dos anos de 1920 até final dos anos de 1970, é marcado por disputas entre defensores dos "antigos" métodos de alfabetização e os dos "novos" testes ABC para verificação da maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita, de que decorre a introdução dos "novos" métodos mistos. E o quarto momento, de meados de 1980 até os dias atuais, caracteriza-se pelas disputas entre os defensores da "nova" teoria construtivista e os dos "antigos" testes de maturidade e dos "antigos" métodos de alfabetização, “considerando-se também a introdução, na década de 1990, de teorias e práticas de letramento e, na década de 2000, a reintrodução do método fônico.”
 
Segundo Maria do Rosário, em cada momento fundou-se uma tradição, que em sua visão são ao mesmo tempo “velhas” e “novas”, já que são constituídas do que as antecedeu, mas são diferentes. “Em cada momento histórico cada "novo" sentido da alfabetização se tornou hegemônico, porque oficial, mas não único, nem homogêneo, nem tampouco isento de resistências, mediadas especialmente pela velada utilização de "antigos" métodos e práticas alfabetizadoras, por meio da utilização de cartilhas de alfabetização”, pondera.
 
Para ela, a discussão sobre métodos de alfabetização ainda é referência, “seja para considerá-los antigos e a eles se opor, como no caso da “desmetodização” proposta pela teoria construtivista, seja para reintroduzir, como falsamente novo, o método fônico, seja, ainda, quando se utilizam, mesmo que silenciosamente, cartilhas de alfabetização baseadas em métodos ‘tradicionais’”.
 
A professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) Estela Bertoletti acredita que a questão dos métodos voltou e que essas correntes de pensamento são apresentadas como inovações porque a alfabetização continua sendo um problema. “As crianças continuam apresentando dificuldades na aquisição da língua escrita nesse período inicial”, explica.
 
Para Estela, atualmente as práticas são mistas, o que às vezes é velado. “Às vezes, o professor trabalha por meio de métodos, sintético, analítico, usa uma determinada cartilha que foi condenada desde os anos 1990 e ele não fala isso. É velado. Como a alfabetização é um problema mal resolvido, volta e meia discussões que pareciam superadas voltam”, afirma.
A teoria construtivista na alfabetização
Mais de três décadas após o lançamento de ‘Psicogênese da Língua Escrita’, as ideias de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e suas aplicações ainda promovem muitas discussões no campo da alfabetização no Brasil. Sua importância até hoje está em “mostrar o aspecto construtivo dos erros que as crianças cometem ao tentar compreender a escrita” e na ênfase que as autoras deram para a “necessidade de se trabalhar a função social da leitura e da escrita como elemento motivador para a aprendizagem”, na visão da professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) Onaide Mendonça.
 
Ao explicar as hipóteses que as crianças elaboram sobre a escrita e os níveis pelos quais elas passam ao tentar compreendê-la, a teoria de Emília Ferreiro e Ana Teberosky enfatizou o sujeito no processo de aprendizagem, sendo ele que constrói seu conhecimento. Para a professora Onaide, surgiu a partir disso a crença de que “se é o aluno que constrói seu conhecimento, então o professor não pode intervir. Assim, parou-se de ensinar a ler e escrever sistematicamente”, afirma.   
 
“Quando divulgada, a abordagem Psicogenética foi tratada no Brasil como ‘a inovação’ e solução para os problemas da alfabetização, e é vista assim até hoje pelos mais ingênuos, apesar dos resultados das avaliações”, explica Onaide. Para ela, muitos equívocos práticos resultaram disso, e as atividades sugeridas não favoreceram a aprendizagem da leitura e da escrita em seu aspecto técnico, que garante a autonomia da criança. 
 
A professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Telma Weisz argumenta que a formulação pedagógica que deriva, “em parte”, da psicogênese passou por processos. “Não é que alguém pesquisou a Psicogênese e dela sai diretamente a prática de sala de aula; isso não existe”, defende. Telma explica que as pessoas que desenvolveram práticas para a sala de aula são da área da educação e experimentaram novas formas de ensinar, compartilhando entre si e afinando o que fizeram uns com os outros.“Durante acredito que uns 15 anos isso foi uma fábrica de propostas e práticas para realizar na escola e na sala de aula.”
 
Para a professora do Instituto Vera Cruz, a ideia de que a abordagem psicogenética tomou o país é uma invenção. “Ela avançou muito onde havia sistemas públicos de educação que compraram essa ideia”, defende.
 
Onaide considera que é necessário ter clareza das diferenças entre pesquisa e ensino. A primeira é não confundir o contexto de pesquisa com o de sala de aula, já que enquanto a teoria psicogenética foca no indivíduo, o professor precisa alfabetizar uma turma. Também é importante não confundir os objetivos das autoras e do professor. A obra de Emília Ferreiro e de Ana Teberosky buscou compreender o raciocínio da criança e as hipóteses que ela elabora para compreender algo e o professor tem como objetivo de ensinar várias crianças a ler e escrever. 
 
Por fim, a professora da UNESP alerta que não se pode confundir a metodologia, pois “as estratégias de um pesquisador geralmente são de investigação”, e as do professor devem ser “de ensino”, e para ensinar é necessário que se tenha metodologia. “O professor deve ter clareza sobre o que vai ensinar, o que quer que seus alunos aprendam e qual caminho (método/estratégias) usará para isso”, defende.
 
 

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