Letramentos pelo mundo - parte 4


     

Letra A • Sexta-feira, 13 de Julho de 2018, 12:45:00

 

Por Vicente Cardoso Júnior

Angola: ‘relativo divórcio’ entre formação e prática docente

 
Em Angola, um dos principais problemas educacionais é, para o professor António de Jesus Luemba Barros, do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Cabinda, ver os alunos avançarem de classes ou mesmo concluírem os estudos “com debilidades sérias em termos da escrita, leitura/compreensão e cálculos”. Como causas desse cenário, ele aponta uma série de dificuldades estruturais: salas com excesso de alunos por falta de salas e de professores, além da dificuldade de chegada a todos do material didático gratuito, falta de bibliotecas e laboratórios. Mas há, também, aqueles relacionados à ação pedagógica, como o “débil trabalho metodológico nos coletivos”. “A figura do metodólogo, que desempenharia um grande papel, é praticamente ausente”, afirma. Dentre os problemas na formação inicial de professores, campo em que atua no ISCED, Barros aponta o “ensino muito teórico” e “debilidades no que tange à concepção das práticas pedagógicas”.
 
Outro fator de peso seria a grande separação entre os espaços de formação docente e a realidade escolar. “Os principais problemas profissionais das escolas não constituem temas de debates cotidianos nas escolas de procedência”, afirma. Barros fala até mesmo em um “relativo divórcio” entre as escolas de formação dos professores e as escolas onde vão atuar. O problema verificado na formação inicial não tem melhor cenário para os professores já em atuação: “A formação continuada não tem merecido uma atenção especial por parte das direções escolares”, conclui Barros.
 

Nos EUA, o aprendizado que vem de fora da escola

 
O estado de Ohio, nos Estados Unidos, conta desde 2012 com a política ‘Garantia de Leitura no 3º ano’. A proposta, também adotada em outros estados do país nos últimos anos, parte da ideia de identificar, da pré-escola ao 3º ano, crianças consideradas atrasadas na aquisição de habilidades de leitura e escrita e propor intervenções como reforço. As partes mais controversas da política são a estigmatização dos alunos e a possível retenção no 3º ano, caso o nível esperado para esse momento não seja alcançado.  “É muito prejudicial, para os estudantes e para as famílias. Até mesmo no kindergarten [turma de 5 anos], se eles não estiverem lendo conforme seu nível, são identificados como possivelmente tendo problemas”, afirma a pesquisadora Laurie Katz, da Universidade do Estado de Ohio. 
 
Como oposição ao modelo pautado em testes, Katz propõe que professores avaliem os alunos mais informalmente ao longo de todo o processo. “Quanto mais avaliações informais o professor faz, mais ele muda sua forma de ensinar de acordo com aquilo que a criança precisa”, afirma. “Não basta apenas realizar um teste ao fim da unidade. Suponhamos que você ensina ao longo de toda a semana, mas não avalia nada até a sexta-feira. Quando você se dá conta [do que os alunos não aprenderam], já não dá tempo de fazer nada: ‘Ah, eles não entenderam bem esses números de dois dígitos, e nós já queremos ensinar números de três dígitos’”, explica a pesquisadora.
 
Nos primeiros anos da escolaridade nos Estados Unidos, o ensino da leitura e da escrita é o principal foco do sistema educacional. “Há um esforço concentrado na alfabetização, tão concentrado que não há muito foco em áreas como Ciências, Estudos Sociais…”, conta Katz. No entanto, é fora da escola que ela acredita estarem acontecendo experiências de letramento mais inovadoras e ricas. São os programas conhecidos como after-school (após a escola), que Katz descreve: “Não são como a escola, não são obrigatórios, e também não são lugares para cuidar das crianças. É como aprender culinária, e cozinhando elas aprendem sobre Matemática, usam a linguagem, praticam suas habilidades de letramento, e vão desenvolvendo tudo isso.” Katz acredita que os programas merecem atenção da pesquisa em educação: “Me parece que algumas práticas realmente alternativas de ensino acontecem mais nesses programas after-school do que nas escolas”, afirma a pesquisadora. 
 
Também nos programas de intervenção precoce, para crianças com deficiências e/ou atrasos no desenvolvimento, Laurie Katz acredita haver importantes contribuições para se repensar as práticas escolares. “A família vai ao centro, recebe recursos, apoio, e percebe que ninguém ali vai estigmatizar a criança”. Por outro lado, “as escolas não têm sido solidárias: muitos estudantes sentem que a escola não é para eles, não se sentem seguros ali. Mas nós insistimos que, nesses primeiros anos de vida, as crianças possam assumir riscos, possam cometer erros e percebam que não existe tal coisa como ser perfeito. Acho que é esse o papel da escola. E não punir as crianças”.