Literatura infantil digital

Entrevista com Cristina Correro, pesquisadora da Universidade Autônoma de Barcelona


     

Geral • Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014, 14:04:00

Cristina Correro integra o Grupo de Pesquisa de Literatura Infantil e Juvenil da Universidad Autónoma de Barcelona. Após participar do VII Simpósio nacional e III Simpósio Internacional de Literatura e Informática, Livro: do analógico ao digital, onde falou sobre o tema “Livros para crianças: literatura, formatos, suportes”, Cristina concedeu esta entrevista ao Portal Educativo Ceale.

Por Clara Tannure

O que significa dizer que os livros digitais para crianças são obras de “extensão variável”?

No formato papel, vemos que os livros para crianças todos seguem mais ou menos o mesmo número de páginas. De zero a cinco anos, nunca passam de um determinado número, cada faixa etária tem um número de páginas que é mais comum. Isso, ao desaparecer a página, muda no digital, pensando que em muitas obras não trabalhamos com páginas, mas com um todo. E agora pode-se fazer uma leitura muito rápida do livro, ou muito extensa, dependendo do nível da leitura, da interação que existe, e tudo mais. Por isso digo que a extensão é variável. Não há um tempo comum para as obras de 0 a 5 anos ou para as de 6 a 8 anos como acontece no livro impresso.

O que são obras híbridas, multimodais e multissensoriais, e qual a vantagem de se trabalhar com elas?

Digo que são híbridas porque estamos diante de uma mistura. Às vezes, não sabemos se é literatura, cinema, teatro digital; é muito difícil colocar barreiras entre os gêneros quando entramos no universo digital. Por isso dizemos que são híbridas. Digo que são multissensoriais porque apelam ao leitor: olhar, ouvir, tocar, e às vezes falar, por isso é multissensorial. E multimodal porque passa por diferentes meios: música, áudio, entre outros, apelando a diferentes sentidos. Por exemplo, antigamente havia o cinema preto e branco e agora o cinema é colorido, com música e às vezes até em 3D. Haverá obras que não necessitam de tudo isso, mas haverá obras em que esses aspectos podem ser interessantes, vão nos causar algo diferente esteticamente e com mais experiência sensorial.

Como os chamados nativos digitais experienciam a literatura? Quais são as práticas de leitura estabelecidas por essa geração?

Não creio que a experimentem como uma coisa diferente. Os nativos digitais leem como liam os analógicos. É verdade que os dispositivos tecnológicos são mais hábeis, mais rápidos, passam de uma página para outra, mais intuitivos, visualmente mais rápidos; isso se chama uma memória numérica. Mas também devem desenvolver essa memória literária mais lenta, da qual fala Serge Tisseron. Portanto, se lê da mesma maneira, mas talvez os nativos digitais sejam mais rápidos e intuitivos nesse novo meio, e a nós nos custa mais.

Como tem se configurado a literatura infantil a partir de sua incorporação aos novos suportes digitais? No que ela se aproxima e no que se diferencia da literatura infantil impressa?

Eu creio que a literatura digital trouxe muita inovação. Como dizia Claudia [Kozak], nesse mesmo simpósio, o novo pode ser algo disfarçado. Na literatura infantil digital, a maioria das produções vêm do papel. Há poucas obras digitalmente nativas; pode-se contar em uma mão, o resto são reproduções do papel. Então é claro que há as mesmas coisas, mas com uma multimodalidade de som, imagem, tátil, tudo isso.

Que características fazem de uma obra uma boa obra de literatura infantil digital?

Eu diria que as mesmas que em papel. Mas tendo em conta esses novos modos que entraram no texto literário. Aqui também temos que avaliar a parte do texto e imagem, mas também temos que avaliar a interatividade: ajuda a entender melhor a obra ou é um puro jogo? Como é a música dessa obra? Encaixa com o ambiente da obra ou é uma música que não agrega nenhum sentido novo? Todas essas coisas que aparecem de novidade, a multi-interatividade, o som da obra, tudo isso tem que se avaliar junto com o que já se avaliava com o papel.

Como você avalia as atuais produções de literatura infantil digital? Você considera que é preciso estabelecer parâmetros para avaliação da qualidade dessas obras?

Sim, claro. As instituições que selecionam e validam livros em papel devem começar a validar, com os mesmos parâmetros e também ampliando para avaliação dessas novidades, as obras digitais. Essas instituições devem colocar à disposição de professores, bibliotecários, uma seleção da qualidade das obras.

Como é o papel do mediador ao lidar com uma obra de literatura infantil digital?

Igual ocorre com o papel, a literatura infantil digital necessita estar mediada. O mediador deve conhecer as obras e, depois da leitura, seja ela individual ou em grupo, deve fomentar uma discussão, fazer os alunos falarem, passar o virtual para o real, para que haja um aprendizado literário. O mediador é um ajudante de construção de sentido literário.

Quais as principais vantagens de utilizar da literatura digital com as crianças?

A primeira e mais evidente é a motivação. Elas ficam encantadas! As telas estão logo ali nas casas e nos lugares, então a primeira vantagem é a motivação. A segunda seria em relação às habilidades que nos podem ajudar. Os livros informativos, por exemplo, são tipos de livros que em digital ganham muito, na tridimensionalidade, na maneira de se apresentar as coisas, e isso é uma vantagem. Também a rapidez. As crianças desenvolvem uma rapidez visual, desenvolvem motricidade, desenvolvem gosto pela leitura, que poderá lhes abrir portas para outros tipos de livros.