Graça Paulino, em suas próprias palavras
Homenagem à pesquisadora do Gpell/Ceale que faleceu recentemente
Letra A • Quinta-feira, 17 de Outubro de 2019, 17:00:00
No início de agosto deste ano, faleceu a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria das Graças Paulino. Graça Paulino, como era conhecida, foi pesquisadora do Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (Gpell) do Ceale, tendo participado de sua criação. Atuou como professora na Faculdade de Letras (FALE) da UFMG no início dos anos 1970, na qual permaneceu por mais de 20 anos. Após esse período, tornou-se professora na Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, dedicando-se à pesquisa literária durante toda sua carreira.
Em sua homenagem, tamanha a importância de Graça para o Gpell e para o Ceale, reproduzimos excepcionalmente, no lugar da Entrevista do Letra A, seu ensaio “Da cozinha à mesa posta”, que conta sua história como leitora, publicado originalmente em 1995 pelo projeto Proler, da Fundação Biblioteca Nacional, e republicado em 2010 pela Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio. O texto fez parte da coletânia Ler e Fazer do Proler. A convite do Letra A, a professora da PUC-Rio Eliana Yunes, Coordenadora Nacional do Proler e organizadora da Coletânea à época, introduz o ensaio de Graça falando sobre a publicação e a contribuição da pesquisadora do GPELL.
Uma história cheia de Graça
Por Eliana Yunes
O trabalho de formação de leitores empreendido pelo PROLER, iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional entre 1992-96, sob a gestão de Affonso Romano de Sant’Anna, constituiu-se no primeiro intento de criar uma Política Nacional de Leitura no Brasil. Ao aceitar o desafio, acompanhando quem fora meu orientador de tese, frente a um governo já posto em questão, enviei um convite aos pesquisadores mais eminentes da área, para que participassem do repto.
Não é lugar para contar o périplo, mas depois da experiência de visitas a municípios interessados na proposta e a definição de uma linha teórico-metodológica que alargava conceitos em torno da leitura, abrangência em múltiplas linguagens, foi possível ganhar a confiança interpares e estender a discussão com dezenas de especialistas. A participação deu-se de diferentes formas e com pluralidade de aportes e visões, de modo a apresentar modos e reflexões plurais sobre o que se entendia pelo ato de ler. Esta decisão enriqueceu o processo e foi possível esboçar uma teoria da formação do leitor sem exclusão das diferenças.
Entre os colaboradores mais generosos, que acompanharam os seminários de implantação do trabalho de longo curso, com viagens de grande esforço, estava Graça Paulino, profissional admirada por sua dedicação ao magistério e de grande habilidade no trato da linguagem para público de formação heterogênea. Por isso, quando decidimos mostrar como a leitura se fazia na experiência dos leitores reconhecidos, Graça se prontificou a contar a sua. A riqueza da coletânea de depoimentos avulsos do Ler e Fazer, que logramos editar e distribuir a professores de 90 núcleos, envolvendo mais de 600 municípios no Brasil, se manteve como referência, apesar dos novos rumos que o PROLER tomou em seguida.
Como a Casa da Leitura não se interessou em reeditar as publicações, a Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio assumiu a reedição sob a forma de livro, reunindo-as no Ler&Fazer. As memórias de como (des)aprenderam a ler e cultivar a leitura em família, na escola, em episódios originais, por parte dos pesquisadores envolvidos nas oficinas e cursos, moveram um grande público a rastrear sua própria história e reconhecer práticas leitoras.
Da cozinha à mesa posta, o pequeno ensaio que nos legou Graça Paulino, é uma pérola rara de humildade e delicadeza partilhada com desprendimento e crítica, capaz de comover e mover os leitores à reflexão e descoberta dos pequenos gestos e atos que podem conduzir da intimidade à exposição de um aprendizado. Convicta de que esta condição de leitor se constituía na passagem da oralidade à escrita, faz um relato, no mínimo emocionante, das pequenas grandes tragédias em torno do acesso aos livros e denuncia com absoluta atualidade os obstáculos que se interpõem entre as narrativas e os potenciais leitores. Programas, didática, livros de aula, bibliotecas, nada escapa a seu espírito arguto para avaliar e garantir práticas diferenciadas no convite e no convívio dos livros. Apesar da dura confissão, não perdeu a fé na literatura, “na vida reinventada” que alimentou a sua, de menina pobre à professora nobre de uma universidade de relevo. A mãe, menos analfabeta do que a falta de diploma indicaria, recebeu sua gratidão no texto que publicamos. Neste agora, recebe ela a minha – e de muitos outros.
Continue lendo:
Parte 2 - Da cozinha à mesa posta
Parte 3 - De pessoas a personagens