O Partido da Escola Sem Partido!
Por Luciano Mendes de Faria Filho, professor da Faculdade de Educação da UFMG e coordenador do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822-2022
Geral • Terça-feira, 23 de Agosto de 2016, 13:06:00
No momento em que os grupos que assumiram a direção do Estado brasileiro após o golpe que afastou a Presidenta Dilma Rousseff começam a dar o tom das políticas educacionais que serão implantadas no país, cresce a desenvoltura com que os grupos conservadores circulam pelos espaços institucionais onde se debatem os rumos da educação brasileira. Uma das principais bandeiras desses grupos, hoje, é a defesa do que denominam “escola sem partido”. Aliás, como se sabe, esta não é apenas uma bandeira, mas o nome mesmo de um movimento organizado e com página oficial na internet.
Segundo o site do grupo, a “EscolasemPartido.org é uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior. ” Dentre outras coisas, o grupo defende que professor não é educador e que o movimento é “uma associação informal, independente, sem fins lucrativos e sem qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária. ”.
O movimento tem atuando em várias frentes, inclusive no debate público da Base Nacional Comum Curricular. Considerando o conjunto das manifestações desse movimento, um de seus alvos prediletos são justamente as políticas de reconhecimento dos direitos das populações negras e a pauta da comunidade LGBT organizada no país. É, por exemplo, uma das principais forças de combate ao que o conjunto dos grupos conservadores denomina de “ideologia de gênero” no país.
O conjunto das manifestações dessa associação demonstra muito claramente que, ao mesmo tempo em que se auto declara “sem qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária”, ela toma partido dos partidos mais conservadores e reacionários em atuação no parlamento brasileiro e das forças mais retrógradas que se movimentam na cena política, cultural e educacional do país.
Se, por um lado, há legitimidade em cobrar retidão ética e moral dos professores na condução da formação das novas gerações, essa mesma legitimidade não existe para se exigir que os professores defendam posições declaradamente sexistas, racistas ou que agridam qualquer dimensão da integridade humana. Sobre isso, não há o que discutir. A escola pública é laica e os professores não podem cumprir, nela, preceitos religiosos ou morais que agridam os direitos humanos e, especificamente, os direitos individuais e coletivos consagrados pela Constituição.
A defesa de uma escola sem partido, tal como tem sido feita pelos grupos conservadores hoje, é uma forma de calar os professores que buscam fazer, de suas aulas, um lugar de transformação da sociedade injusta e desigual em que vivemos. Mas, certamente, tais grupos não estão preocupados apenas em amordaçar os professores.
A esse respeito, não parece ser apenas coincidência que a policia e, especialmente, o judiciário brasileiro, em seus vários níveis, esteja cerceando a liberdade de expressão de vários jornalistas independentes e impondo a censura às suas publicações, segundo notícias da internet.
O partido da escola sem partido é o mesmo daqueles que impetraram o golpe político e estão desmantelando o Estado e as políticas públicas no Brasil neste momento. E tais grupos são todos partidários de uma educação que nos faça retroagir com muita celeridade aos períodos mais obscuros de nosso passado. Contra isso é imperativo que tomemos partido. E proteger as novas gerações desses pais e mães, desses políticos e ativistas, todos travestidos de arautos da verdadeira humanidade, é uma das mais altas responsabilidades dos professores, sobretudo daqueles que se ocupam de nossas escolas públicas.
Artigo publicado originalmente no site Pensar a Educação em Pauta.
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