Comunicar é educar | parte 2


     

Letra A • Quinta-feira, 17 de Outubro de 2019, 15:39:00

 
Desenvolvimento da área
 
No Brasil, a educomunicação começou a ser discutida a partir dos anos 1970, tendo como um dos seus principais pesquisadores o professor Ismar Soares, do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (USP). Soares também preside a Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais da Educomunicação (ABPEducom), que tem como propósito o desenvolvimento do conceito e de ideias sobre educomunicação, através da promoção de ações na área. Juntamente com Ismar, Claudemir Viana também atua como professor do Núcleo de Comunicação e Educação da USP e participa da ABPEducom. Viana já coordenou os projetos educom.rádio e educom.tv, realizados em escolas públicas do município de São Paulo, durante 2001 a 2004, nos quais eram apresentados conceitos básicos sobre comunicação para alunos e comunidade em geral. Para Claudemir, projetos educomunicativos podem ser trabalhados em sala de aula, alinhando-se ao projeto pedagógico já estabelecido pela escola, de forma a agregar procedimentos já propostos. “A educomunicação como ideia e como paradigma pode colaborar nessa estruturação de um projeto que integre ações na escola, mas que acabe envolvendo novas práticas de produção de cultura e conhecimento, do uso dos recursos de comunicação de tecnologia. Ela acaba, então, se concretizando na escola como um projeto transversal aos temas que a escola tem que trabalhar, conforme a linha de seus projetos pedagógicos, seguindo os parâmetros curriculares.”
 
Em sala de aula, a educomunicação abre espaço para os alunos explorarem atividades práticas, estimulando outras capacidades e habilidades, como a busca por informações, investigação e a capacidade de provar a veracidade de fatos. A passos lentos, a escola pública vem sendo um dos alvos de ONGs na execução de projetos e implementação de atividades que pautem a questão da democratização da informação e do conhecimento e o desenvolvimento da capacidade de expressão e do pensamento crítico de alunos.
 
A criação de atividades e oficinas nesta área aparece como um ponto de destaque e, em muitos casos, são desenvolvidas por ONGs e projetos sociais, principalmente, utilizando-se dessas ferramentas para trazer uma abordagem diferente aos métodos de aprendizagem em muitas instituições de ensino.
 
Florence Poznanski, diretora da sede da ONG Internet sem Fronteiras, no Brasil, aposta no desenvolvimento de projetos com essas características em escolas públicas de Belo Horizonte e afirma que não existe um padrão para a implementação de atividades: “já fizemos de variadas formas. Pontualmente, ao longo do ano. Durante a aula, no contra-turno. Percebemos que uma das variáveis mais importantes é quando temos um envolvimento do corpo docente e da escola. Dessa forma, as oficinas não são oficinas isoladas na grade curricular, mas fazem parte de um projeto pedagógico conjunto que os alunos podem continuar até fora da oficina”. Criada na França com o propósito de defender a liberdade de expressão, a democratização da mídia e a proteção da privacidade nas redes online, a ONG chegou ao Brasil em 2013 e também atua no continente africano. 
 
Josué Gomes foi um dos alunos envolvidos nos projetos de jornalismo cidadão da ONG em Belo Horizonte, em 2015, e diz que a educomunicação, durante o seu período de ensino médio, possibilitou que reconhecesse novos interesses no campo da comunicação e educação, despertando nele um senso crítico que o fez participar de discussões que defendem o direito a uma comunicação mais plural e mais democrática. Atualmente cursando jornalismo, o estudante retorna para a ONG, agora como colaborador, para a aplicação de oficinas de educomunicação nas escolas públicas da capital mineira. De acordo com Josué, essas oficinas são divididas em duas partes. Na primeira, os alunos possuem aulas sobre o funcionamento do sistema de mídia e a importância dele para a educação. Logo após, a prática é desenvolvida em aulas sobre fotografia, produção textual e edição de vídeo, para que os alunos tenham contato com esse material e também possam produzir seus próprios conteúdos através desses dispositivos eletrônicos: “sempre buscamos trazer vídeos, fotos, textos e dinâmicas interativas para a oficina para ilustrar a aula”, afirma o educomunicador. Josué completa, dizendo que um dos diferenciais dessas atividades é a autonomia que os alunos possuem, destacando que os próprios estudantes decidem os conteúdos que serão discutidos e produzidos ao longo das oficinas: “a quantidade de aprofundamento é variável, depende muito do perfil da turma, e também cada estudante tem suas preferências em focar em uma parte do processo e menos em outras”, declara o estudante.
 
Apesar de o audiovisual ser um dos meios mais utilizados para a produção de conteúdos em geral, principalmente por relacionar as dimensões da imagem e do som, o rádio é o meio que mais se destaca no desenvolvimento de projetos educomunicativos. Essa importância se deve ao fato de o rádio explorar a voz e a criatividade de alunos, permitir a criação de diálogos e debates sobre as temáticas abordadas na criação de programas e conteúdos educativos, além de ser um veículo com maior facilidade de produção, a partir da utilização apenas de gravadores e editores de áudio. Nesse meio, os alunos podem desenvolver programas com temáticas que se relacionem com o conteúdo aprendido em sala de aula, criar discussões em grupo e levantar dúvidas e dificuldades sobre o tema. Tudo isso mediado pelo professor e por coordenadores pedagógicos.
 
Ainda assim, escolas resistem quando o assunto é a presença da mídia na educação, o que impede que a educomunicação esteja no projeto pedagógico de escolas. Sandra Tosta aponta que um dos motivos para esse quadro é a ausência do debate sobre o campo: “acredito que a resistência ocorre muito mais por desconhecimento do fenômeno midiático em sua totalidade. O debate sobre a mídia precisa ser oportunizado aos alunos das licenciaturas. Isso não ocorre, salvo algumas exceções. A mesma crítica faço aos cursos que formam profissionais da comunicação nos quais a educação é um objeto um tanto estranho”. Esse desconhecimento apontado pela professora pode ser devido ao fato de que essas práticas são recentes em relação aos procedimentos e métodos já estabelecidos em sala de aula, mas outro impedimento é a ausência de equipamentos e dispositivos eletrônicos, principalmente em escolas da rede pública, dificultando para os professores utilizar esses aparelhos com seus alunos em suas disciplinas, além mesmo de conhecer mais profundamente as funcionalidades e o potencial que possuem para o ensino e para a educação. Tosta completa dizendo que a escola, no ensino básico principalmente, apresenta-se como pouco propositiva em relação à presença midiática na aprendizagem.
 
Josué Gomes também pontua dificuldades em relação à aplicação dos projetos ao citar que a ausência de trabalho conjunto da escola com a ONG ocasiona dificuldades nas realizações das atividades do projeto, principalmente na gestão de tempo para as oficinas: “embora trabalhar na perspectiva de projetos de curta duração seja uma estratégia que gera impactos fortes e reais no ambiente escolar, esse formato nos deixa com pouco tempo de contato com os alunos e evidentemente faz com que as e os estudantes não possam se dedicar às nossas atividades de forma plena. A cobrança pela nota boa no boletim acaba pesando mais do que trabalhar outros conhecimentos na escola”, diz Josué.
 

Continue lendo:

Parte 3 - Educomunicação no contexto da alfabetização e letramento

Parte 4 - O que vem pela frente

Parte 1 - Comunicar é educar